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“(Girl) Boss” e igualdade de género: sobre a relevância das CEOs no feminino


 “(Girl) Boss” e igualdade de género: sobre a relevância das CEOs no feminino   

                                                

                                                                                                                                                     Por: Joana Capaz Coelho




Em 2017, a Netflix lançou uma serie designada “Girl Boss”. Em termos gerais, a serie baseia-se na autobiografia de Sophia Amoruso, intitulada #GirlBoss.

Sophia Amoruso é uma mulher de negócios americana, com ascendência portuguesa, greca e italiana que, em 2006, fundou a Nasty Gal [1] uma empresa cujo objeto, inicial, era a revenda, em segunda mão, de roupas vintage. Porém, e passo a passo, Amoruso criou um Império.

De acordo com aquela serie da Netflix, a primeira peça a ser vendida na Nasty Girl teria sido um casaco “estilo motoqueiro” que Sophia havia comprado por US$ 9 e revendeu, no Ebay, por cerca de US$ 600.

Não se sabendo, com exatidão, se estes factos são totalmente realidade ou ficção, uma coisa é certa, volvidos 10 anos desde a criação da empresa Nasty Gal, a Forbes nomeou Sophia Amoruso como uma das “Richest Self-Made Women in the word” com uma fortuna aproximada de US$ 280 M. Para além disso, foi-lhe ainda atribuído o título de “Princesa da Tecnologia”, pelo The New York Times, em 2016.

Amoruso assumiu o cargo de CEO da Nasty Gal entre 2006 e 2015. Posteriormente, Sophia Amoruso fundou, em 2017, a “Girlboss Media”, e, em 2020, fundou o projeto “Bussiness Class”, da qual é a atual CEO. Ao longo da sua carreira, Sophia Amoruso tem sido uma Girl Boss, isto é, uma Mulher independente, capaz, confiante, forte e determinada, que luta pelos seus objetivos, tendo-se, consequentemente, tornando uma das CEO mais conhecidas no mundo dos negócios.

Mas, será que continua a fazer sentido, nos dias de hoje, utilizar a designação “Girl Boss” / “Rapariga Chefe”? A este propósito parece-nos fundamental discutir o problema da (des)igualdade de género no acesso a cargos de Topo, incluindo, o de CEO de empresas.

De acordo com a sétima edição do estudo global da Deloitte intitulado “Mulheres no Conselho”: “Hoje, reportamos  uma média global de apenas 20% (19,7%) [2] dos assentos no conselho ocupados por mulheres, um aumento de 2,8 pontos percentuais desde o último estudo, publicado em 2019. Se essa taxa de crescimento continuar em todos os próximos dois anos, podemos esperar alcançar algo próximo da paridade por volta de 2045  [3].

A manter-se esta perspetiva de crescimento, iremos demorar pelo menos 23 anos a atingir igualdade de género no que diz respeito à presença de mulheres e de homens nos conselhos de administração. Mas, não será demasiado tempo?

Ocorre que o problema se intensifica quanto falamos do acesso ao cargo de CEO. Decorre, aliás, do mesmo estudo que: “O relatório revela que empresas com CEO’s mulheres têm, em média, conselhos significativamente mais equilibrados em termos de gênero do que aquelas lideradas por homens: 33,5% vs. 19,4%, respetivamente. No entanto, globalmente, as mulheres ocupam apenas 5% [4] das posições de CEO”  [5].

 Desta forma, o caso de Sophia Amoruso, enquanto mulher e CEO de múltiplas empresas foi e continua, infelizmente, a ser algo de excecional no plano internacional.

E, no plano nacional, qual é a percentagem de mulheres que ocupam, presentemente, lugares de topo nas empresas?

De acordo com a Portada [6], a percentagem de mulheres em conselhos de administração, em 2021, era de 31,00%, sendo que em 2003, a percentagem era de 3,5%. Apesar do significativo aumento do número de mulheres em conselhos de administração, a verdade é que aquele número ainda se encontra muito abaixo da meta dos 50,00%.

Se atentarmos à percentagem de mulheres executivas em 2021 ela é de 16,3%, mais uma vez abaixo dos 50,00%.

Já no plano da União Europeu, a percentagem de mulheres em conselhos de administração, em 2021, é de 30,6%, e de mulheres executivas é de 20,2%, significando, também, que ainda não foi atingida uma igualdade de género no acesso aos cargos de Topo nas empresas cotadas em bolsa na U.E.

Os Países da U.E. que se encontram mais perto de atingir a percentagem ideal dos 50,00% no que concerne à presença de mulheres em conselhos de administração são a Islândia, com 47,1%, a França com 45,3% e, finalmente, a Noruega com 41,5%.

Pelo contrário, os Países da U.E que se encontram mais longe de atingir a percentagem ideal dos 50,00% no que diz respeito à presença de mulheres em conselhos de administração são a Chipre com 8,5%, a Estónia com 9,1% e, por fim, a Hungria com 9,4%.

Relativamente, à percentagem de mulheres executivas, os Países da U.E que estão mais próximos de atingis os 50,00% são a Roménia com 31,6%, a Estónia com 31,1% e a Islândia 31,00%. Os Países da U.E mais longe de atingir os 50,00% são o Luxemburgo com 4,1% e a Áustria com 5,7%, conforme resulta da tabela infra.

Nesta ambiência, continua a justificar-se relembrar que de acordo com o artigo 23.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: “Deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração (…)”.

 

Decorre, aliás, do artigo da The Forbes “The end of the Girl Boss Era – The End of an Era?” [7] e citando Kristin Syrett que: “Assim que se modifica algo como (o termo) "Boss"/ “Chefe”, e não se tem "Boyboss"/ “Rapaz Chefe” ou "Maleboss"/ “Homem Chefe” - torna-se realmente cada vez mais saliente como nós mulheres ainda estamos a lutar contra [uma imagem] que não foi moldada por nós. É lembrar a todos que existe um estilo de ser “chefe". E não importa o quanto trabalhemos, continuamos a ser uma rapariga - somos uma rapariga num mundo de Homens”.

Se, por um lado, é verdade que o termo GirlBoss pode, nos dias de hoje, já não ter aderência à realidade, também é certo que o acesso a posições de topo em empresas ainda não está a ser realizada de forma igualitária e justa. A igualdade no acesso a estas posições deveria ser algo natural, contudo, continua a não ser.

Justifica-se, de facto, continuarmo-nos a questionar sobre se alguma vez deixará, verdadeiramente, de ser assim, ou até quando será assim, mas, sobretudo, continuarmos a agir para que deixe de ser assim!

Sugestão de citação: J. C. Coelho, “(Girl) Boss” e igualdade de género: sobre a relevância das CEOs no feminino", 19th June, 19 de julho de 2022. 

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