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Três anos de blog, uma vida inteira de afetos: o Direito à Família como lugar de pertença



Três anos de blog, uma vida inteira de afetos:  

o Direito à Família como lugar de pertença

Por: Joana Capaz Coelho

 

 







Hoje, este blog cumpre três anos — no dia de aniversário da minha Mãe. Três anos de escrita, partilha e reflexão. De palavras pensadas, hesitadas, sentidas. Três anos a tentar conciliar aquilo que me move no Direito com aquilo que me move na vida.

Este texto é, por isso, uma celebração e uma homenagem. Uma celebração deste espaço que continua a crescer comigo — e uma homenagem à minha Mãe. Falar dela é difícil sem que a voz me falhe. Talvez porque tenha sido nela que, pela primeira vez, compreendi — ainda sem saber — o que é o Direito à Família. E não me refiro à letra fria da lei, mas à vivência concreta de ter alguém que cuida, que acolhe, que permanece!

Nestes três anos, escrevi sobre direitos humanos, saúde, igualdade de género e solidariedade. Mas volto sempre à mesma raiz: o direito a ter alguém. A ter quem nos ampare, nos escute, nos chame pelo nome. Volto sempre ao Direito à Família — esse direito que é mais do que biologia, mais do que burocracia, mais do que qualquer papel timbrado. O Direito à Família é o direito a pertencer, a cuidar e a ser cuidado.

Este direito não é apenas um ideal: encontra consagração em instrumentos fundamentais de proteção dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) reconhece, no seu artigo 16.º, n.º 3, que: “a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”[1]. Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), no artigo 8.º, consagra o direito ao respeito pela vida privada e familiar, impondo aos Estados não só a abstenção de interferências arbitrárias, mas também deveres positivos de proteção da vida familiar[2]. Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa (CRP) assume a proteção da família como uma tarefa fundamental do Estado (art. 67.º), reconhecendo-lhe um papel estruturante na organização social[3]. A família — na sua pluralidade de formas — é entendida como um espaço de realização pessoal, de solidariedade e de afeto: valores que o Direito deve proteger.

Este reconhecimento do direito à família está longe de ser isolado. Também o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) (art. 23.º)[4], a Convenção sobre os Direitos da Criança  (CDC) (arts. 9.º e 16.º)[5] e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CFUE) (arts. 7.º e 33.º)[6] consagram a família como espaço essencial de proteção, afeto e estabilidade. O Direito internacional tem vindo, assim, a consolidar a ideia de que a família, em todas as suas formas, merece uma proteção efetiva.

Ainda assim, a forma como o Direito reconhece e regula a família nem sempre acompanha a diversidade e complexidade das vivências familiares. O desafio continua a ser o de garantir que a proteção jurídica não se limite a uma ideia abstrata de “família”, mas que se traduza em medidas concretas, que respeitem a dignidade e o bem-estar de todas as pessoas.

A minha mãe partiu. Mas deixou-me a certeza de que o amor também é estrutura. Também é norma. Também é resistência. É a partir dessa certeza — aprendida no gesto, no exemplo, na presença dela — que compreendo, hoje, com mais profundidade, o que está em causa quando falamos do Direito à família. Falo de tudo aquilo que o Direito ainda tem por fazer para garantir que ninguém seja privado de amar, de cuidar e de ser cuidado. Falo de um Direito que reconheça a centralidade dos afetos, que valorize as relações humanas, que proteja a fragilidade e celebre a diversidade.

Como tão bem afirmou o Papa Francisco, “a família é o lugar do encontro, da partilha, da saída de si mesmo para acolher o outro e estar junto dele. É o primeiro lugar onde se aprende a amar” (homilia de 25 de junho de 2022)[7]. Nesta frase, sintetiza-se muito do que aqui escrevo: o direito à família não é apenas um direito jurídico — é, acima de tudo, um direito vivido. Um direito à presença, ao cuidado, ao amor que estrutura e transforma.

A minha Mãe foi o meu primeiro lugar de pertença. Mas não caminhou sozinha comigo. O meu Pai — presença firme e afetuosa — sempre foi o meu maior exemplo e porto de abrigo. Com ele aprendi que cuidar também é ouvir, e que o amor pode ser silêncio que ampara. Os meus irmãos, Filipa e Martim, são extensão do meu chão — companheiros de vida, de luta e de memórias. Somos feitos dos mesmos afetos, da mesma linguagem de cuidado. E, nos dias difíceis, são eles que me recordam quem sou e de onde venho.

Levo também comigo — no sangue, na memória, nos gestos — a força da minha família que me ajudou a crescer e a resistir, que me ensinou a cuidar, a lutar e a permanecer. Que outras pessoas encontrem, como eu encontrei, esse lugar de pertença que o Direito deve proteger.

 



[1] Declaração Universal dos Direitos Humanos, disponível em: https://dcjri.ministeriopublico.pt//sites/default/files/documentos/pdf/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pdf  (consultado a 15/06/2025).

[2] Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), disponível em: https://www.echr.coe.int/documents/d/echr/convention_por (consultado a 15/06/2025).

[3] Constituição da República Portuguesa (CRP), disponível em: https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx (consultado a 15/06/2025).

[4] Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), disponível em: https://dcjri.ministeriopublico.pt//sites/default/files/documentos/instrumentos/pacto_internacional_sobre_os_direitos_civis_e_politicos.pdf (consultado a 15/06/2025).

[5] Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), disponível em: https://www.unicef.pt/media/2766/unicef_convenc-a-o_dos_direitos_da_crianca.pdf (consultado a 15/06/2025).

[6] Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CFUE), disponível em: https://www.poch.portugal2020.pt/pt-pt/Documents/Carta%20dos%20Direitos%20Fundamentais%20da%20UE%20pt.pdf (consultado a 15/06/2025).

 

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