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A Solidão e as Mensagens do Papa Francisco: um caminho para o reforço da Fraternidade?

A Solidão e as Mensagens do Papa Francisco: um caminho para o reforço da Fraternidade?


Por: Joana Capaz Coelho


 

 







A solidão representa um dos maiores desafios da sociedade contemporânea. O Papa Francisco tem abordado esta questão com intensidade, apelando à solidariedade e à fraternidade como valores fundamentais para superar esta questão de saúde pública, que afeta especialmente os mais vulneráveis.

 Na verdade, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem vindo a alertar para os riscos associados à solidão, de entre eles, os seguintes:

¾     Aumento em 25% do risco de morte;

¾     Aumento em 50% do risco de demência; e

¾     Aumento em 30% da probabilidade de desenvolvimento de doenças cardiovasculares[1].

 Dada a gravidade da situação, a OMS criou a Comissão de Conexões Sociais, com o objetivo de reconhecer a solidão como uma prioridade global e propor soluções para mitigar os seus impactos[2].

De acordo com a OMS: “Qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode sentir-se só ou socialmente isolada. Em todas as idades e regiões, a solidão e o isolamento social têm graves repercussões na nossa saúde física e mental, bem como no bem-estar das nossas comunidades e da sociedade. A Comissão da OMS para a Conexão Social (2024-2026) tem como objetivo que esta questão seja reconhecida e dotada de recursos como uma prioridade de saúde pública mundial”[3].

É de sublinhar que, a solidão não se limita ao isolamento social! Estamos perante dois conceitos distintos, sendo que o isolamento social pode desencadear um sentimento de solidão.

A solidão trata-se de um sentimento subjetivo de desconexão e ausência de relações significativas, podendo ocorrer mesmo quando a pessoa está rodeada de outras. A sensação de solidão pode afetar qualquer pessoa, independentemente da idade, condição social ou contexto de vida. Embora seja frequentemente associada à velhice, pode surgir em qualquer fase da vida, desde a infância à idade adulta[4].

O isolamento social, por sua vez, refere-se à ausência de contacto social e pode ser causado por diversos fatores, como a falta de apoio familiar, dificuldades de integração na comunidade ou barreiras no acesso a serviços essenciais[5].

De acordo com o Serviço Nacional de Saúde, um estudo realizado com mais de 1.200 pessoas entre os 50 e os 101 anos revelou que a solidão, em Portugal, afeta principalmente as mulheres (20,4%) em comparação com os homens (7,3%). Além disto, os níveis de solidão aumentam com a idade, sendo mais prevalentes entre os maiores de 85 anos (26,8%). Pessoas com menor escolaridade e viúvas também apresentam maior vulnerabilidade ao sentimento de solidão[6].

Quanto aos efeitos da solidão na saúde mental e física são vastos e preocupantes. Entre os principais impactos da solidão na saúde, destacam-se:

·        Baixa autoestima;

·        Ansiedade;

·        Depressão;

·        Stress crónico;

·        Distúrbios do sono;

·        Comprometimento do sistema imunitário;

·        Aumento da pressão arterial;

·        Risco de doenças cardiovasculares;

·        Redução da prática de exercício físico;

·        Aumento de peso;

·        Diminuição do desempenho cognitivo;

·        Maior probabilidade de tabagismo;

·        Risco aumentado de morte precoce, comparável aos efeitos negativos do tabagismo ou da obesidade[7].

O Papa Francisco tem sido uma voz ativa na sensibilização para os efeitos da solidão, sublinhando que “a solidão, vivida com resignação, mina a alegria de viver e torna-nos incapazes de fazer aquilo para que fomos chamados”. O Papa tem vindo a destacar a importância da solidariedade e da proximidade como ferramentas essenciais para combater o isolamento e fortalecer os laços sociais, lembrando-nos de que todos somos responsáveis por combater o isolamento à nossa volta. Para além disto, o Papa tem enfatizando que, enquanto sociedade, devemos olhar com mais atenção para aqueles que, mesmo rodeados de pessoas, vivem na solidão emocional.

A solidão dos idosos é uma das facetas mais visíveis deste problema, sendo frequentemente consequência de abandono social e institucional. O Papa Francisco tem alertado para os impactos da “cultura individualista”[8], que marginaliza os mais velhos, afastando-os do convívio e tornando-os invisíveis na sociedade. No entanto, a solidão não se restringe aos idosos, afetando pessoas de todas as idades e contextos. “Cada vez mais, perdemos o gosto pela fraternidade”[9], alerta o Papa, referindo-se à perda de valores comunitários e ao enfraquecimento dos laços sociais.

Em reforço desta certeza o Papa Francisco tem vindo a partilhar, por múltiplas vezes, a sua experiência como bispo de Buenos Aires, quando ao visitar lares de idosos, constatava como muitas dessas pessoas não recebiam visitas há meses, apontando como causas dessa solidão, a pobreza, os conflitos, as migrações e a hostilidade dos jovens em relação aos mais velhos. Esta mentalidade de confronto intergeracional deve ser combatida e erradicada, segundo o Papa, para evitar a criação de um “clima de conflito geracional”, no qual os mais velhos são acusados de “roubar o futuro dos jovens”[10].

Mas, o mais triste é que muitos idosos, infelizmente, chegam a ver-se como um peso para os outros. Este sentimento de inutilidade de precisa ser combatido por todos nós, pois cada idoso tem um valor inestimável a oferecer. É fundamental refletirmos sobre como podemos criar uma sociedade em que cada pessoa se sinta valorizada e reconhecida, independentemente da idade, sobre como, enquanto sociedade, podemos mudar esta realidade e promover um ambiente de inclusão, solidariedade e respeito para com os mais velhos.

Dado o impacto da solidão na saúde pública, é urgente adotar medidas concretas para prevenir e mitigar este fenómeno. Mas todos nós podemos ajudar através de tarefas simples como:

¾     Convidar um amigo, vizinho ou colega para beber um café e conversar;

¾     Procurar manter relações sociais autênticas no trabalho, mostrando interesse genuíno pela vida dos colegas;

¾     Partilhar informação sobre iniciativas na comunidade;

¾     Enviar uma mensagem, fazer uma chamada ou visitar alguém que possa estar sozinho;

¾     Incentivar o convívio entre pessoas que moram sozinhas;

¾   Fomentar o uso de novas tecnologias de comunicação que permitam ligação à distância, como redes sociais[11].

Além disto, estaca-se ainda a ação de Organizações Não Governamentais como a dos “amigos improváveis” que tem como fim combate a solidão dos idosos, através do voluntariado. Este tipo de iniciativas é fundamental para unir gerações, promover a solidariedade intergeracional e construir uma sociedade mais inclusiva e empática, onde o envelhecimento seja acompanhado de dignidade e companhia.

A solidão não é um destino inevitável. Cada um de nós tem a capacidade de agir e de fazer a diferença. Construir uma sociedade mais inclusiva, onde todos se sintam vistos, ouvidos e valorizados, começa com pequenos gestos. Cada ligação, cada sorriso e cada palavra de apoio fazem parte dessa mudança. Porque, no fundo, somos feitos para nos conectar uns aos outros, e é na empatia e no cuidado mútuo que encontramos o verdadeiro sentido da vida! Lembremo-nos: hoje somos jovens, mas um dia, se sobrevivermos, também seremos menos jovens!



[3] Tradução nossa. Fonte: https://www.who.int/groups/commission-on-social-connection (consultado a 16.02.2025).

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