Avançar para o conteúdo principal

O Patrocínio Judiciário dos Membros do Governo e dos Altos Dirigentes da Administração Pública quando demandados em virtude do Exercício das suas funções: âmbito de aplicação do decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de junho

 

O Patrocínio Judiciário dos Membros do Governo e dos Altos Dirigentes da Administração Pública quando demandados no Exercício das suas funções: âmbito de aplicação do decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de junho 

          

Por: Joana Capaz  Coelho




Introdução

A nova conceção do Estado e a corrente internacional da nova gestão pública ou modelo gestionário (New Public Management) indo para além das ideologias políticas, colocou o foco na obtenção de resultados e impôs, às instituições públicas e aos seus trabalhadores, a prestação de contas (Accountability) em termos de produtividade, de eficiência e de autonomia, mas, também, em termos de responsabilização pelos atos praticados.

A implementação do novo modelo de gestão, iniciada entre os anos 70 e 80 do século passado, primeiramente na Nova Zelândia e na Austrália, depois, na Inglaterra e nos Estados Unidos e, subsequentemente, no resto da Europa, determinou a adoção de novos regimes jurídicos e de múltiplas medidas de gestão da “cousa pública”. 

É neste enquadramento que ganha relevo o Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de julho, aprovado pelo XV Governo Constitucional, que fixa o regime de pagamento de custas e de patrocínio judiciário dos membros do Governo e dos altos dirigentes da Administração Pública quando demandados em virtude do exercício das suas funções.

Âmbito de Aplicação Subjetivo 

O artigo 2.º do mencionado diploma legal, sob a epígrafe Patrocínio Judiciário, dispõe o seguinte:

"1 - O patrocínio judiciário dos membros do Governo, quando demandados em virtude do exercício das suas funções, pode ser assegurado pelos consultores do Centro Jurídico (CEJUR) [1] da Presidência do Conselho de Ministros [2] ou por advogados contratados em regime de avença pelo CEJUR, especificamente para a prática daquele patrocínio.

2 - O patrocínio judiciário dos demais titulares de cargos públicos referidos no n.º 1 do artigo 1.º pode ser assegurado pelos serviços jurídicos dos respetivos ministérios ou, na sua falta, por advogados contratados especificamente para a prática daquele patrocínio, mediante despacho de autorização do respetivo membro do Governo.

3 - O patrocínio judiciário previsto nos números anteriores depende de requerimento do interessado”.

As prerrogativas especiais concedidas pelo artigo 2.º nas ações interpostas por particulares relativas a eventual responsabilidade civil do Estado, e seus agentes, é reforçada pela exposição de motivos constante do preâmbulo do diploma, do qual se retira que: 

"No que respeita ao Governo, tem-se generalizado a prática de demandar os seus membros e outros altos funcionários, juntamente com a Administração Pública. Esta situação é suscetível de provocar algumas dificuldades, porquanto envolve, na maior parte dos casos, o pagamento de taxas de justiça e a nomeação de patrono. Tendo em conta que a mesma se fundamenta na relação entre as funções exercidas e as ações ou os recursos em causa, é adequado o estabelecimento de mecanismos que salvaguardem as possibilidades de defesa dos membros do Governo à luz do regime vigente em matéria de representação do Governo e das demais entidades públicas".

Beneficiam da prerrogativa de patrocínio judiciário, atenta a remissão operada pelo n.º 2 do art.º 2.º para o artigo 1.º (apesar de o artigo 1.º ter sido revogado de forma expressa pelo diploma que aprova o Regulamento das Custas Processuais, a revogação reportou-se, tão só, ao regime de isenção de custas, mas subsistiu em vigor na parte que integra o regime prescrito no artigo 2.º) [3]:

  • Os membros do Governo;
  • Os titulares de cargos dirigentes dos serviços e organismos da Administração Pública [4]:
  • Os encarregados de missão [5]:
  • Os membros dos conselhos diretivos dos institutos públicos [6]:

Esta especial prerrogativa é concedida aos membros do governo e aos altos dirigentes da Administração Pública tendo presente que estes, devido às funções que ocupam, têm uma maior suscetibilidade de vir a ser visados em ações interpostas por pessoas que eventualmente possam ter sofrido danos por ações ou omissões que decorram do exercício das suas funções e por causa delas. Assim sendo, esta prerrogativa estriba-se na salvaguarda do próprio interesse público, uma vez que permite que os membros do governo e os altos funcionários tomem as suas decisões de forma livre e independente, isto é, que tomem as decisões devidas, sem estarem condicionados pelo facto de poderem vir a ser visados em ações e terem de pagar as respetivas custas com o seu património próprio  [7] [8]: 

Esta ideia é ainda reforçada por Carla Amado Gomes: “Se pensarmos especialmente nos mais altos cargos dirigentes, cujos mandatos se regem pelos tempos das legislaturas, o receio de responsabilização pode ser mais forte do que a vontade de mostrar serviço, deixando ao seu sucessor a tomada de certas decisões com implicações financeiras mais impressivas” [9]:

Esta possibilidade decorre diretamente do próprio artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Segundo Canotilho e Vital Moreira: 

"De qualquer modo e, não obstante a sua formulação tendencialmente principal, o art.º 22.º transporta regras imediatamente aplicáveis: (1) o Estado e as demais pessoas coletivas públicas são responsáveis, isto é, têm de assumir a responsabilidade civil por lesões causadas aos particulares pelos seus órgãos, titulares ou agentes no exercício dos poderes públicos; (2) o Estado e as demais entidades públicas são diretamente responsáveis, podendo ser demandados em ações de responsabilidade sempre que os seus funcionários ou agentes sejam subjetivamente responsáveis por qualquer dano causado ao particular e independentemente do direito de regresso contra eles; (3) os particulares, cujos direitos, liberdades e garantias foram violados ou sofrerem prejuízos na sua esfera jurídico-subjetiva, podem, observados os pressupostos gerais da responsabilidade civil, acionar judicialmente o Estado com o objetivo de obter a reparação pelas lesões ou prejuízos sofridos” [10] E, ainda, “A consagração da responsabilidade solidária do Estado com os titulares dos órgãos, funcionários e agentes e a sugestão da responsabilidade se articular com a ilicitude da conduta (por ações ou omissões praticadas no exercício das funções e por causa desse exercício) e com a ilicitude do resultado (violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem) justificariam a limitação do princípio geral da responsabilidade aos atos culposos ou, pelo menos, ilícitos, dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes do Estado. Trata-se de uma garantia da responsabilidade destes perante terceiros, pois nos casos em que existir culpa dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes, não está excluída a responsabilidade pessoal destes, quer através do seu chamamento à demanda por parte dos lesados, quer através do exercício do direito de regresso por parte do Estado”. [11]

Acrescentam, também, Jorge Miranda e Rui Medeiras que:

 “Em contrapartida, a conjugação do princípio da solidariedade com outros princípios constitucionais, designadamente com o princípio da prossecução do interesse público (e o dever de boa administração ou a eficiência da Administração Pública que ele convoca), legitima soluções legais que excluem a solidariedade no âmbito das atuações com culpa leve (aliás, em matéria de direito de regresso, o n. º4 do artigo 271.º parece admitir que a função preventiva e de controlo do bom funcionamento dos serviços públicos que perpassa na regulamentação constitucional da responsabilidade dos servidores do Estado não impede, em absoluto, que a lei regule “os termos em que o Estado e as demais entidades públicas têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes”.

"Noutro plano, o princípio de uma Administração responsável que subjaz às diferentes soluções adotadas pela Constituição dificilmente tolera, no plano legal, normas que, em questões conexas, arranquem de um princípio oposto, seja, por exemplo, em matéria de pagamento de custas judiciais (v.g. dispensa de pagamento de custas) [12] nas ações de responsabilidade propostas contra membros do Governo ou quadros dirigentes da Administração Pública por atuações dolosas no exercício das suas funções), seja em relação ao exercício do direito de regresso (v.g. não exercício do direito de regresso em caso de autuações funcionais dolosas)”. [13]

Os demais trabalhadores do Estado não beneficiam, portanto, da prerrogativa mencionada.

No que concerne aos eleitos locais, o regime previsto no Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de julho, também não se lhes aplica. Nos termos do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria da República n.º 81//2007: “ O apoio a conceder aos eleitos locais pelas respetivas autarquias, nos termos dos artigos 5.º, n.º 1, alínea o) e 21.º, ambos da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, que o ato que deu origem ao processo judicial e às inerentes despesas tenha sido praticado pelo eleito local no exercício das suas funções e por causa delas, e, por outro, que não se prove que esse ato foi praticado com dolo ou negligência". [14][15]

De salientar que a concessão de patrocínio é, necessariamente, prévia à decisão final do tribunal. É o que resulta do estipulado na parte final dos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º, na medida em que a entidade pública, no caso a JurisAPP, “assegura o patrocínio forense através da designação de um elemento dos seus recursos humanos próprios ou por via da contratação de um advogado, em regime de avença, para o efeito”. [16].

Deste modo, a individualidade com direito à prerrogativa de patrocínio judiciário, quando o solicite, fica dependente da designação de consultor da JurisAPP ou da contratualização pela referida entidade para a função específica de um mandatário forense em regime de avença.

Não sendo, assim, legalmente impossível a atribuição de qualquer direito ao pagamento ou reembolso por despesas suportadas com os honorários de mandatário contratado diretamente pelo próprio.   

Âmbito de Aplicação Objetivo

O regime de patrocínio judiciário previsto no sempre referido artigo 2.º reporta-se a casos em que os titulares da prerrogativa “foram pessoalmente demandados em virtude do exercício das suas funções".[17] Prerrogativa que é concedida por forma a garantir a independência decisória dos membros do Governo, dos agentes ou trabalhadores públicos como vimos supra.

A conexão do ato lesivo com o exercício de funções é um pressuposto associado ao regime de responsabilidade civil sob forma solidária do Estado relativamente a ações e omissões dos seus agentes na função administrativa (n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro -  Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Coletivas de Direito Público (RRCEEEP) e da responsabilidade civil exclusiva do Estado no caso das ações e omissões ilícitas dos seus órgãos, funcionários ou agentes cometidas com culpa leve, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício (n.º 1 do artigo 7.º do RRCEEEP). [18]

Assim, o artigo 2.º faz depender a atribuição do patrocínio judiciário do preenchimento dos seguintes pressupostos:

- Que quem solicita o patrocínio judiciário sejam “titulares de cargos públicos referidos no n.º 1 do artigo 1.º;

- Que os requerentes sejam “demandados em virtude do exercício das suas funções”. 

De acordo com o expendido no Parecer n.º 81/2007 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República:

“Acerca da responsabilidade civil extracontratual dos titulares dos órgãos e agentes da Administração por atos de gestão pública já escrevia Marcello Caetano que devia fazer-se uma distinção entre atos funcionais e atos pessoais.

 São atos funcionais todos aqueles que, embora ilícitos, sejam praticados durante o exercício das funções do seu autor e por causa desse exercício; pelos danos que produzirem é responsável a pessoa coletiva de direito público a que pertença o órgão ou agente.

São atos pessoais todos os outros isto é, os que forem praticados fora do exercício das funções do seu autor ou que, mesmo praticados durante tal exercício e por ocasião dele, não forem todavia praticados por causa desse exercício; pelos danos que produzirem é responsável, única e exclusivamente, a pessoa do seu autor».

E, depois de se interrogar em que casos se podia dizer, de uma maneira geral, que um órgão ou um agente se comporta, na prática de um facto ilícito, dentro dos limites das suas funções, ou, pelo contrário, excedendo esses limites, afirma que, após a publicação do Decreto–Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, a distinção entre o funcional e o pessoal, para efeito de responsabilizar a pessoa coletiva de direito público ou o autor do facto ilícito, tinha de continuar a fazer -se, mas que, no entanto, tinha de ser transportada do plano da culpabilidade, em que antes se situava, para o plano da ilicitude, em que agora se devia colocar. «Já não interessa averiguar se houve culpa funcional ou culpa pessoal, mas antes se o facto ilícito é um ato funcional ou pessoal, ou seja, se o facto ilícito foi ou não praticado no exercício das funções do seu autor e por causa desse exercício. Não importa, pois, para este efeito, apurar se houve falta do serviço e zelo do titular do órgão ou agente ou se, pelo contrário, houve funcionamento normal do serviço, mas desprezo do titular do órgão ou agente pelos deveres do seu cargo.

O que importa é delimitar objetivamente as funções do autor do facto ilícito e verificar se ele o praticou no exercício de tais funções e por causa desse exercício».

Para que um ato possa ser considerado «funcional» é, pois, necessário que seja praticado pelo titular de um órgão ou agente de uma pessoa coletiva de direito público, no exercício das suas funções e por causa delas, sendo necessário apurar se o autor do facto ilícito atuou ou não no exercício das suas funções e por causa desse exercício, ou seja, se o facto praticado representou o legítimo exercício da competência do seu autor para fins de interesse público ou, pelo contrário, um abuso de autoridade, exorbitando das suas funções”.[19]

Para Gomes Canotilho e Vital Moreira:Além de se tratar de ações ou omissões jurídico- públicas (não de atos de gestão privada), exige-se que elas tenham sido praticadas no exercício de funções ou por causa desse exercício. Impõe-se, assim, uma relação de conexidade entre o exercício de funções e as ações ou omissões lesivas, o que significa a indispensabilidade de uma conexão interna ou material entre ato-função - e resultado lesivo. Requer-se que a ação ou omissão caiba no âmbito do escopo funcional justificativo da boa-fé da confiança do cidadão lesado. Não é suficiente que a ação ou omissão tenha sido praticada por ocasião do exercício da função («critério da mera ocasionalidade») ou que este exercício constitua a condição necessária para a prática de ações ou omissões sem qualquer ligação funcional («critério da ocasionalidade necessária»)".[20]

Aliás, “a conexão do ato lesivo com o exercício de funções constitui um pressuposto material quer da responsabilidade civil das entidades públicas quer da responsabilidade direta dos funcionários e agentes que decorre do próprio texto constitucional, tal como resulta dos artigos 22.º e 271.º , n.º 1 da CRP”.[21]

Patrocínio judiciário e responsabilidade criminal e financeira

O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de julho, refere que “No que respeita ao Governo, tem-se generalizado a prática de demandar os seus membros e outros altos funcionários, juntamente com a Administração Pública”, tendo sido esta crescente demanda dos membros do Governo e de outros altos funcionários da Administração Pública (por prática de atos de gestão pública e privada), juntamente com esta, nas jurisdições cíveis e administrativas, que impulsionou a sua adoção.

Expressões como “demandar” (utilizadas no preâmbulo) e “demandados” (n.º 1 do artigo 2.º) parecem pressupor a interposição de uma ação contra os ali referidos, dado que no âmbito do processo-crime apenas se é demandado na ação cível enxertada no processo crime, sendo que neste existe a “constituição de arguido”, “acusação”, “pronúncia”, “condenação”, motivo pelo qual o apoio judiciário previsto neste diploma só se deverá aplicar a situações de responsabilidade civil e não de responsabilidade criminal.

Acresce que não existe fundamento material para uma discriminação positiva dos titulares e trabalhadores públicos previstos no artigo 2.º do Decreto-lei nº 148/2000, de 19 de julho, face a todos os restantes trabalhadores públicos, em matéria de patrocínio judiciário para intervenção em processo penal relativo a eventuais crimes praticados no exercício das respetivas funções [22].É, aliás, o que que resulta da interpretação da norma citada em conformidade com o artigo 22.º da Constituição [23] [24] e da aplicação do princípio da igualdade consagrado também na Constituição, no seu artigo 13.º [25]

Deste modo, o Decreto-Lei nº 148/2000, visou, tão só, estabelecer uma prerrogativa especial de patrocínio judicial no quadro da função administrativa. Aliás, estando a responsabilidade penal vinculada, entre outros, aos princípios da culpa e da tipicidade, a criação de um mecanismo que de algum modo pudesse “facilitar” a violação da lei penal não poderia ser adotado por diploma do Governo, dado que constitui matéria de reserva da Assembleia da República.

De acordo com o dispõe o Código Penal no seu artigo 11.º, n.º 1, “Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são suscetíveis de responsabilidade criminal” e no n.º 2: As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 144.º-B, 150.º, 152.º-A, 152.º-B, 156.º, 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 177.º, 203.º a 206.º, 209.º a 223.º, 225.º, 226.º, 231.º, 232.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 359.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 377.º, quando cometidos:(…)”, o Estado não é suscetível de ser responsabilizado criminalmente. Assim sendo, não será possível fazer uma ligação entre o crime praticado no exercício de funções e a pessoa coletiva em nome do qual a pessoa singular exerce funções.

Deste modo, os membros do governo e os altos funcionários do Estado abrangidos pelo disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 148/2000, quando sejam penalmente “demandados” por eventuais crimes que cometam no âmbito do exercício as suas funções, poderão beneficiar de apoio judiciário nos termos do artigo 61.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, mas não beneficiam da prerrogativa especial prevista no artigo 2.º do Decreto-Lei supramencionado [26].

Situação diversa ocorre quando, nos termos previstos na lei, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido, não no respetivo processo penal, o que é a regra, mas, em separado, perante o tribunal civil (cfr. artigo 71.º do Código de Processo Penal[27] . Nesta circunstância, os membros do Governo, os titulares de cargos dirigentes dos serviços e organismos da Administração Pública, os encarregados de missão, os membros dos conselhos diretivos dos institutos públicos, ainda que não sejam visados na ação penal, podem ser demandados em virtude do exercício das suas funções no processo penal, relativamente a eventual responsabilidade civil abrangida pelo artigo 22.º da CRP, podendo, então, beneficiar de patrocínio judiciário [28].

O patrocínio Judiciário previsto no Decreto-Lei nº 148/2000 também não abrange ações em processos instaurados no Tribunal de Contas relativos a eventual responsabilidade por infrações financeiras [29].

O regime procedimental da responsabilização por eventuais infrações financeiras [30] é absolutamente autónomo do processo penal quanto às regras substantivas, processuais e de competências judiciárias.

O âmbito objetivo do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 148/2000, tendo por referência a responsabilidade civil nas relações externas e excluindo a responsabilidade penal, implica que a prerrogativa de patrocínio forense conferida por essa norma não abranja os procedimentos relativos a responsabilidade financeira objeto da jurisdição do Tribunal de Contas [31], atenta a distinção conceptual entre a responsabilidade prevista no artigo 22.º da Constituição [32] relativa a deveres de indemnização do Estado relativamente a terceiros, e a responsabilidade financeira prevista no artigo 214.º, n.º 1, al. c), da CRP [33].

Na síntese de António Cluny [34], a responsabilidade financeira «que presentemente vigora constitui-se, claramente, em todas as situações como uma responsabilidade delitual fundada na culpa, tendo, no que se reporta à chamada responsabilidade reintegratória, como pressuposto o dano ou o prejuízo efetivo causado ao Estado pelo agente da infração financeira». 

A responsabilidade financeira por infrações financeiras, não compreende, nem poderia compreender, solidariedade entre agentes da infração e o Estado ou outra entidade pública.

Do mesmo modo que não há qualquer fundamento para que haja um privilégio em matéria de patrocínio judicial de membros do governo e dos altos dirigentes do Estado. [35]

Por último, saliente-se que o Estado deve ser reembolsado das despesas suportadas com o patrocínio judiciário sempre que fique provado que que não existiu nexo funcional entre as funções exercidas pelos membros do Governo, pelos titulares de cargos dirigentes dos serviços e organismos da Administração Pública, pelos encarregados de missão, ou pelos membros dos conselhos diretivos dos institutos públicos e os atos objeto das ações ou recursos em causa – é o que resulta, nomeadamente, da interpretação sistemática- teleológica do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.

A prerrogativa conferida a membros do Governo, titulares de cargos dirigentes dos serviços e organismos da Administração Pública, encarregados de missão e membros dos conselhos diretivos de institutos públicos de requerer patrocínio judiciário ao abrigo do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 148/2000 quando “demandados em virtude do exercício das suas funções” relaciona-se com a suscetibilidade de serem sujeitos passivos de ações de responsabilidade civil por atos praticados no exercício de funções e por causa delas.

 Assim, e em jeito de Conclusão:

A prerrogativa conferida a membros do Governo, titulares de cargos dirigentes dos serviços e organismos da Administração Pública, encarregados de missão e membros dos conselhos diretivos de institutos públicos têm de requerer patrocínio judiciário ao abrigo do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 148/2000 não abrange a intervenção como arguidos em processo penal.
 
Os membros do Governo, titulares de cargos dirigentes dos serviços e organismos da Administração Pública, encarregados de missão e membros dos conselhos diretivos de institutos públicos podem beneficiar do patrocínio judiciário ao abrigo do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 148/2000 quando, não tendo a posição de arguidos, sejam demandados por via de pedido civil interposto no processo penal, ao abrigo do artigo 71.º do Código de Processo Penal, sobre factos praticados no exercício de funções relativamente aos quais exista responsabilidade solidária do Estado nas relações externas (ainda que essa pessoa coletiva não seja sujeito passivo visado pela demanda civil concretamente formulada).
 
O Estado deve ser reembolsado das despesas suportadas com o patrocínio judiciário sempre que fique provado que que não existiu nexo funcional entre as funções exercidas pelos membros do Governo, pelos titulares de cargos dirigentes dos serviços e organismos da Administração Pública, pelos encarregados de missão, ou pelos membros dos conselhos diretivos dos institutos públicos e os atos objeto das ações ou recursos em causa – é o que resulta, nomeadamente, da interpretação sistemática- teleológica do nº 3 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.

Sugestão de citação: J. C. Coelho, "O  Patrocínio Judiciário dos Membros do Governo e dos Altos Dirigentes da Administração Pública quando demandados em virtude do Exercício das suas funções: âmbito de aplicação do decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de junho", 19th June, 4 de julho de 2022.


[13] Miranda, Jorge; Medeiros, Rui, ob. cit., p. 215.

[16]  De acordo com a doutrina expendida no Parecer n.º 81/2007, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, IIª Série, n.º 196, de 9 de outubro, no caso dos eleitos locais A doutrina tem entendido que o pagamento das despesas só deve ser feito no final do processo porque, por um lado, só então poderá saber-se qual a quantia efetivamente despendida e, por outro, a inexistência de dolo ou negligência só poderá ser determinada, em princípio, após o julgamento.”

É da maior importância para este parecer indagar quando deve ser feito o pagamento das despesas resultantes dos processos judiciais. São admissíveis duas soluções: a) pode ser feito apenas no final do processo, quando já é conhecido o seu resultado e o montante das despesas; b) pode ser feito à medida que é devido.

Como é sabido, há processos em que não chega a ser proferida formalmente uma sentença, terminando por qualquer outra razão. Nestes casos, o dolo ou a negligência não estarão provados, pelo que, quando isso acontecer e estejam verificados os restantes pressupostos, deve ser concedido o apoio.

Num processo penal movido contra um autarca que não chegou a ser pronunciado, também não terá ficado provado o dolo ou a negligência, pelo que a solução deverá ser a mesma que defendemos para os casos de absolvição, e até por maioria de razão. E o mesmo deve suceder nos casos em que, tendo sido proferido despacho de pronúncia não se procedeu a julgamento.

Finalmente não é necessário que o eleito local se mantenha em funções à data em que o pagamento das despesas deva ser feito, uma vez que a razão de ser do preceito legal em causa é precisamente o ressarcimento das despesas feitas com os processos judiciais relacionados com o exercício das respetivas funções, independentemente de serem julgados, e mesmo instaurados, durante ou após o exercício de funções. Pode suceder que contra um autarca seja instaurado um processo depois de findo o mandato. Se esse processo tiver como causa o exercício de funções, nada obsta a que seja concedido o apoio, desde que se verifiquem os restantes pressupostos.”

[21] Fernandes Cadilha, Carlos Alberto, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do estado e demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p.136.

[22] Nesta matéria teríamos de proceder a uma divisão em duas categorias de crimes próprios “cometidos no exercício de funções públicas” por titulares de cargos políticos para efeitos do artigo 3.º da Lei n.º 34/87, de 16-7 (revisto pelas Leis n.º 108/2001, de 28-11, e n.º 30/2008, de 10-07) e o dos restantes funcionários para efeitos do artigo 386.º do Código Penal. Contudo não existe nenhuma legitimação no plano constitucional para proceder a uma discriminação positiva nesta matéria.

[23] O princípio da interpretação em conformidade constitucional “é um instrumento hermenêutico de interpretação de conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei”, Gomes Canotilho, JJ, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 7.ª edição, 2003, página 1310

[24] O facto de o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 148/2000, de 19 de julho, não incluir ações em processo penal, não impede, de iure condendo, isto é, de direito a ser constituído, se venha a consagrar o apoio judiciário, incluindo na vertente de patrocínio, aos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos demandados por causa do exercício das suas funções, mesmo no âmbito do processo penal, desde que fosse tido em conta o desfecho final do processo, tal como acontece no artigo 21.º do Estatuto dos Eleitos Locais.

[25] A responsabilidade penal do titular de cargo público ou do trabalhador público por crimes praticados distingue-se da sua eventual responsabilidade civil sob a forma solidária com o Estado por danos provocados a terceiros. A primeira reporta a um instrumento de proteção dos particulares objeto do artigo 22.º da Constituição e a segunda ao poder punitivo do Estado.

[26] De acordo com o artigo 4.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro (Regulamento das Custas Processuais), “Estão isentos de custas:  Os membros do Governo, os eleitos locais, os diretores-gerais, os secretários-gerais, os inspetores-gerais e equiparados para todos os efeitos legais e os demais dirigentes e funcionários, agentes e trabalhadores do Estado, bem como os responsáveis das estruturas de missão, das comissões, grupos de trabalho e de projeto a que se refere o artigo 28.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro, qualquer que seja a forma do processo, quando pessoalmente demandados em virtude do exercício das suas funções;”( negrito nosso). Já de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo:” Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1, a parte isenta fica obrigada ao pagamento de custas quando se conclua que os atos não foram praticados em virtude do exercício das suas funções ou quando tenha atuado dolosamente ou com culpa grave”.

[27] Nos termos do artigo 71.º do CPP: “O pedido de indeminização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.

[28] O demandado, porque não é arguido, beneficia de patrocínio por força do disposto no artigo 76º, n.º 2, do Código de Processo Penal: “Os demandados e os intervenientes devem fazer-se representar por advogado”.

[29] De acordo com o artigo 1.º, n.º 1 e artigo 59.º da LOPTC, o Tribunal de Contas é a única entidade competente para a efetivação da responsabilidade financeira.

[30] A responsabilidade financeira divide-se em: responsabilidade sancionatória (artigo 65.º da LOPTC) e a responsabilidade reintegratória (artigos 59.º e 60.º da LOPTC).

[31] Vide Artigo 58.º, n.º 3, da LOPTC.

[32] Atente-se ainda ao artigo 72.º LOPTC que, sob a epígrafe “Responsabilidade no âmbito da execução orçamental”, dispõe: 1 - Os titulares de cargos políticos respondem política, financeira, civil e criminalmente pelos atos e omissões que pratiquem no âmbito do exercício das suas funções de execução orçamental, nos termos da Constituição e demais legislação aplicável, a qual tipifica as infrações criminais e financeiras, bem como as respetivas sanções.

 2 - Os dirigentes e os trabalhadores das entidades públicas são responsáveis disciplinar, financeira, civil e criminalmente pelos seus atos e omissões de que resulte violação das normas de execução orçamental, nos termos do artigo 271.º da Constituição e da legislação aplicável.

3 - A responsabilidade financeira é efetivada pelo Tribunal de Contas, nos termos da respetiva legislação.”

[33] «O Tribunal de Contas é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe, competindo-lhe, nomeadamente […] c) Efetivar a responsabilidade por infrações financeiras, nos termos da lei […].»

[34] Responsabilidade financeira e Tribunal de Contas – Contributos para uma reflexão necessária, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 39.

[35] Não havendo qualquer norma de discriminação positiva, a aplicação do princípio da igualdade determina a não aplicabilidade da prerrogativa especial de patrocínio judiciário prevista no artigo 2.º do Decreto-Lei n. º148/2000 aos processos instaurados no Tribunal de Contas sobre eventuais infrações financeiras.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

  “Outubro Rosa” e a Luta Contra o Cancro – Pela Prevenção e Pela Vida –   Por: Joana Capaz Coelho     O mês de outubro é internacionalmente reconhecido como o “Outubro Rosa” , uma campanha crucial que visa sensibilizar para a prevenção do cancro da mama. Esta campanha destaca a importância do diagnóstico precoce como uma ferramenta vital na luta contra o cancro, sublinhando que, quanto mais cedo for detetado, maior é a probabilidade de cura. Contudo, esta luta vai muito além do cancro da mama – é um apelo coletivo à prevenção de todas as formas de cancro. A minha história pessoal é um exemplo da importância desse diagnóstico precoce. No meu caso, acompanhei de perto a minha mãe na sua batalha contra o cancro. Vi e estive com ela ao longo dos tratamentos, dos altos e baixos. Lembro-me das inúmeras vezes em que a levava para as sessões de tratamento, de como voltava para casa exausta, e dos momentos de alívio e esperança,

A dignidade da pessoa humana, a liberdade, a autonomia e o poder e na delimitação da missão das instituições de ensino superior

  A dignidade da pessoa humana, a liberdade, a autonomia e o poder  na delimitação da missão das instituições de ensino superior Por: Raúl Capaz Coelho    As primeiras universidades foram criadas pelos religiosos católicos e, depois, pelas cidades na época medieval, sendo que tanto estas, como mais tarde as renascentistas, eram de proximidade entre mestres e estudantes, «partilhando as instalações e o saber com o pão e o livro, frequentemente em exemplar único», tendo constituído, porque se centravam na pessoa humana, nas maiores instituições para promover os homens das classes ditas inferiores aos cargos e às profissões de maior prestígio e elevação, como as de médico, de farmacêutico, de professor ou de «homens de leis». Desde a sua génese as universidades tiveram como seu substrato a pessoa humana e como principal missão a transmissão do conhecimento, como modo de evolução e desenvolvimento dos povos. O artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976 afirma que «Por

AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO – UM MODELO DE AVALIAÇÃO EM CASCATA

  AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA               – UM MODELO DE AVALIAÇÃO EM CASCATA –    Por: Joana Capaz Coelho   A implementação do novo modelo de gestão, iniciada entre os anos 70 e 80 do século passado, primeiramente na Nova Zelândia e na Austrália, depois, na Inglaterra e nos Estados Unidos e, subsequentemente, no resto da Europa, determinou a adoção, em Portugal, pela Lei n.º 10/2004, de 22 de março, de um Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP). A Lei n.º 10/2004, de 22 de março, veio a ser revogada pela Lei 66-B/2007, de 28 de dezembro, a qual foi sucessivamente alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de dezembro, 55-A/2010, de 31 de dezembro e 66-B/2012, de 31 de dezembro e pelo Decreto-Lei n.º12/2024, de 10 de janeiro [1] . A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei nº 35/2014, de 20 de junho, na última versão, regula a matéria da avaliação do desempenho nos artigos 89.º a 91.º, estabele

Uma reflexão sobre o Direito à Liberdade e suas restrições

    Uma reflexã o sobre o Direito à Liberdade e as suas restrições                                                                                                               Por: Sofia  Di Giovine Freire de Andrade Antunes   Todos nascemos livres e iguais, mas, como afirmou George Orwell, na sua Obra “O Triunfo dos Porcos”, “alguns são mais iguais que os outros”. Esta parece ser a realidade em que vivemos, uma vez que, ainda aos dias de hoje, existem desigualdades flagrantes no tratamento de cada pessoa consoante a sua classe social, política, etnia, orientação sexual, género, religião, entre outros fatores. O conceito de liberdade é subvalorizado, porque todos os que vivem em sociedades democráticas consideram a liberdade garantida, um bem adquirido sem possibilidade de restrições arbitrárias. No entanto, ainda que achemos que somos livres e iguais, a verdade é que toda a nossa atuação social está dependente de regras, usos e costumes sociais que por vezes nos podem fazer senti

O REGIME DE ATRIBUIÇÃO E DE EXPLORAÇÃO DOS DIREITOS MINEIROS: UMA VISÃO DE DIREITO COMPARADO

  O REGIME DE ATRIBUIÇÃO E DE EXPLORAÇÃO DOS DIREITOS MINEIROS: UMA VISÃO DE DIREITO COMPARADO   Por: Joana Capaz Coelho INTRODUÇÃO Ao analisarmos o regime de atribuição e de exploração dos direitos mineiros constatamos que a doutrina maioritária considera existirem, essencialmente, dois sistemas de propriedade dos direitos mineiros [1] : o Sistema Dominial e o Sistema da Acessão, sendo, porém, que, nos dias de hoje, a regra geral é a do Sistema Dominial . [2] , [3] . Em traços muito simplistas, no caso do Regime Dominial os recursos naturais são propriedade do Estado e, no caso do regime de Acessão [4] os recursos pertencem aos proprietários dos terrenos ( neste caso inclui-se os Estados Unidos da América) . [5] Nos dias de hoje, cada vez mais, os Estados tendem a atribuir o direito de prospeção e exploração a empresas nacionais ou estrangeiras mediante a celebração de um contrato, sendo que a forma como o fazem varia. No caso dos regimes de acessão, o proprietário ple

Ruth Bader Ginsburg: A true leader's story [on Gender Equality and Women's Rights]

  Ruth Bader Ginsburg: A true leader's story [on Gender Equality and Women's Rights]   By: Joana Capaz Coelho   The documentary series "Live to Lead", available on the streaming platform Netflix, and inspired by Nelsen Mandela's motto: "What counts in life is not the mere fact that we have lived, but the difference we have made in the lives of others", is composed of 7 interviews with major world leaders. In this post, we will concentrate on the first interview of this documentary series that focuses on the Story of Ruth Bader Ginsburg (henceforth  Ginsburg)  (1993 - 2020) who was an American jurist, lawyer, and judge whose career became known for her constant fight for Gender Equality and Women's Rights. Ginsburg, as portrayed in that interview, at the beginning of her career had to face several challenges in a 1959 America where women had difficulties accessing multiple professions: Advocacy being one of them. In this sense, Ginsbur