A posição adotada pelo
Tribunal Constitucional em tempos de crise
Por: Joana Capaz Coelho
Introdução
O Estado português, em maio de 2011, perante
a situação das suas finanças públicas, viu-se impelido, para não entrar em
bancarrota, a aceitar um “Programa de Assistência Económica e Financeira”(PAEF)[1],
que teve tradução no memorando de Entendimento estabelecido com a Comissão
Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, e implicou
a adoção de medidas de austeridade, com cortes na despesa pública
(nomeadamente, cortes nas remuneração dos funcionários públicos e cortes nas
pensões), e aumento de impostos.
Com o presente artigo pretendemos
elucidar, pela análise da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, ainda que
de uma forma necessariamente breve, em que medida é constitucionalmente
admissível restringir os direitos económicos e sociais dos cidadãos, os designados
direitos fundamentais sociais, em períodos de crise.
O artigo inicia-se com uma sucinta
distinção entre direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais
e culturais, de seguida discorre-se sobre a concretização dos direitos fundamentais
sociais em tempos de crise financeira, debruçando-nos sobre a jurisprudência do
Tribunal Constitucional português e abordando o conteúdo dos princípios da
proporcionalidade, da igualdade, da confiança e do não retrocesso social. Finalmente, concluímos que, apesar de,
inicialmente, o Tribunal Constitucional se ter limitado a um controle mínimo,
veio, posteriormente, a exercitar de um modo menos mitigado as suas competências,
ainda que tendo ficado aquém de uma aplicação rigorosa dos mencionados princípios,
com o impacto social que daí adveio.
I. Direitos, Liberdades E Garantias vs Direitos Económicos, Sociais e Culturais: Breve Distinção
"Durante muito tempo os direitos constitucionalmente garantidos foram os “clássicos” direitos de defesa contra o Estado com “reserva de lei” a favor do legislador. A isso correspondia um judicial self-restraint por parte dos tribunais e do poder judicial. A mudança de paradigma na conceção desses direitos, ocorrida, em primeiro lugar, com o direito de propriedade e, depois, com o princípio de igualdade, impôs uma “mudança de significado” (Bedeutungswandel) na conceção desses direitos e liberdades jusfundamentais".[2]
Os Direitos são, por regra, divididos em direitos de primeira geração (direitos civis e políticos)[3] e direitos de segunda geração (Direitos económicos, sociais e culturais).
Os direitos de primeira geração (que surgiram no século XIX com os Estados liberais) seriam os direitos que exigiriam, por norma, uma não ação/abstenção/não ingerência do Estado na esfera pessoal dos indivíduos, são os direitos a “não fazer”, são direitos autossuficientes, autónomos, exequíveis por si mesmo[4]. Estes direitos estão, assim, associados a obrigações negativas do Estado para serem concretizados. Como explica Jorge Pereira da Silva: “ A função tradicional do Estado em termos de deveres era a de defesa associada aos direitos de direitos, liberdade e garantia”.[5]Assim sendo, tradicionalmente a concretização destes direitos exigiam do Estado deveres de defesa e respeito, o que, implicava, na perspetiva orçamental, poucos, ou mesmo ausência, de recursos estaduais.
Por seu turno, os direitos de segunda geração (que surgiram com os Estados sociais no seculo XX[6]) , estão , por sua vez, associados a prestações positivas do Estado para serem realizados- são “direitos a fazer” e por isso mesmo , estão por norma associados ao uso de recursos, que são limitados, para que possam ser concretizados (“reserva do possível”). Assim sendo, estes direitos não são autónomos, são não exequíveis por si mesmo, não são autossuficientes.[7]
Estes direitos, na sua dimensão subjetiva, estão relacionados com uma prestação direta de bens e serviços e, na sua dimensão objetiva, estão ligados à organização de sistemas de proteção da prestação desses mesmos bens ou serviços.
Neste caso, segundo Jorge Pereira da Silva, os direitos sociais estão associados a uma função de prestação, caraterizando-se esta por ser “estruturada de modo vertical, em que o individuo exige do Estado um conjunto diversificado de atuações de natureza jurídica e/ou material. Nuns casos exige-o partindo de uma posição jurídica de consistência variável (…) ao passo que noutros formula uma pretensão de quota-parte- o acesso justo e igual (aos recursos públicos e aos benefícios em que se materializam as politicas sociais) -, mas, em qualquer dos casos, apresenta-se sempre perante o Estado como credor de uma atuação positiva deste.” [8] [9].
Ao contrário dos direitos de primeira geração, os direitos de segunda geração estão associados a deveres de implementação e de prestação, cuja concretização implica, quase necessariamente, um maior dispêndio de verbas públicas. [10]
Hoje em dia, contudo, entende-se que todos os direitos exigem recursos, em grau variado, por parte do Estado, isto é, todos os direitos exigem um Estado em pleno funcionamento para que possam ser garantidos. O direito à vida, por exemplo, apesar de ser um direito associado a uma obrigação negativa, uma vez que o Estado deve abster-se de retirar a vida aos cidadãos, a verdade é que também este direito exige recursos uma vez que é necessário a organização de um sistema de segurança pública e de policiamento que mantenha os cidadãos seguros (dimensão positiva). Por outro lado, associados aos direitos sociais estão também obrigações negativas, como explica Cristina Queiroz , relativamente à tese da “ irreversibilidade” dos direitos de 2.º geração:” o que era uma “obrigação positiva” – cumprir, total ou parcialmente, as tarefas constitucionais- transforma-se numa “obrigação negativa ”:O Estado que encontra-se obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social”[11].
Atualmente, fala-se numa função de proteção (deveres de proteção do Estado)[12] [13] que, segundo Jorge Pereira da Silva, pode ser caracterizada da seguinte forma: pelo facto de, também no caso dos direitos de 1.º geração, o Estado ter de assumir, não só uma obrigação de abstenção mas, também, de assumir , de entre outras, a seguinte função, “um dever positivo de os salvaguardar em face de potenciais agressões provindas de terceiros e de promover de forma ativa e eficiente a sua realização” [14]; todos os direitos exigem “uma verdadeira tarefa que o Estado tem de prosseguir de forma contínua, direito a direito, através de atuações jurídicas estruturadas e de prestações materiais de vária índole”; o respeito dos direitos nas relações entre os particulares “nunca está assegurado à priori, carecendo sempre de assunção por parte do Estado de uma função de coordenação normativa das diversas liberdades e de garante dos bens jurídicos fundamentais” e ,finalmente, “à medida que o Estado de Direito se desenvolve pelos direitos fundamentais, mais evidente se torna a necessidade de intervenção pública no sentido de proteger os bens jusfundamentais em relação a perigos de proveniência não estatal(..), que tenham surgido com a denominada “ sociedade de risco”.[15][16]
Compete, assim, ao Estado proteger os cidadãos contra as agressões aos seus direitos fundamentais, quer aquelas provenham do Estado ou de privados. O Estado não tem apenas uma obrigação de abstenção ou prestacional, mas, também, de ação contra qualquer tipo de ameaças que os direitos fundamentais possam sofrer. O dever de proteção do Estado distingue-se, assim, do dever de proteção e do dever prestacional.[17]
O cumprimento dos mencionados deveres por parte do Estado, apesar de contar com liberdade de conformação do legislador, está condicionado pelos limites impostos pelo principio da proporcionalidade, quer na sua dimensão de proibição de defeito quer de proibição de excesso.[18]
Durante o período de crise económica e financeira que o País atravessou entre 2011 e 2018, verificou-se uma enorme dificuldade a nível orçamental para cumprir com estas deveres estaduais.
Como sublinha Jorge Pereira da Silva: “A agravar a difícil situação
presente está, naturalmente, o exaurimento financeiro do próprio Estado. Se é
inegável que os direitos fundamentais sempre dependeram dos impostos , é também
certo que, com a assunção dos direitos sociais como verdadeiros direitos de
cidadania – e, portanto, a sua atribuição segundo um principio de
universalidade - , essa dependência financeira se acentuou exponencialmente ,
ao ponto de o Estado que os tomou a sério e os assumiu como tarefa sua- o
Estado- providência – ter entrado numa crise (de financiamento , de eficácia e
de legitimidade) da qual não consegue sair vai para 30 ou 35 anos.” [19]
No mesmo sentido Jorge Reis Novais quanto ao dever estatal de proteção dos
direitos fundamentais: “Finalmente, como o dever de proteção se realiza através
de prestações normativas - fazer lei, criar os pressupostos normativos de
institutos e garantias de proteção-, mas também de prestações fácticas, muitas
vezes a proteção traduz-se em custos financeiros significativos. Basta atentar
no que ocorre, por exemplo, como o esforço financeiro exigido nos domínios da
proteção policial a bens de liberdade ou sociais, como a vida, a integridade
física ou o ambiente, da garantia institucional do exercício de direitos de
participação política ou da defesa da propriedade”[20].
Acrescem, ainda, compromissos europeus: o Pacto de Estabilidade e
Crescimento, o “Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de
Politica Económica” e o “Programa de Assistência Económica e Financeira”.
Como veremos subsequentemente, o problema reside em saber, não só em como
conciliar os deveres de proteção do Estado, que implicam que se realize o bem
jurídico nas suas várias dimensões, com a escassez de recursos, mas até onde
pode ir o legislador sem violar a Constituição e qual o papel a desempenhar
pelo Tribunal Constitucional em tempos de crise económica ou financeira.
II. Princípios jurídico-constitucionais da
confiança, da igualdade, da proporcionalidade e do não retrocesso social:
concretização dos direitos sociais em tempos de crise financeira
Como decorre do exposto no Ponto I, a proteção dos direitos fundamentais compete, desde logo, ao legislador ordinário. Contudo, o Tribunal Constitucional pode, subsidiariamente, controlar o respeito pelos direitos fundamentais à luz do preceituado na CRP (artigos 204.º e 277, nº 1).
O sistema de controle de normas, no caso português, é o sistema “concentrado” ou “centralizado”, que contrasta com o modelo norte-americano que é o modelo “difuso”. O Tribunal Constitucional tem, de facto, como competência a fiscalização das normas (leis e atos jurídico-públicos).
Nesta ambiência, aquando da crise económica e financeira em que Portugal se encontrou, o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre um conjunto de medidas constantes dos Orçamentos do Estado de 2011, 2012, 2013 e 2014.
Ora, quando analisamos os acórdãos adotados verificamos que os princípios mais invocados pelo Tribunal Constitucional foram os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da confiança, do não retrocesso social e, ainda, no acórdão n. º396/2011, o princípio do “Salus Rei Publicae”, o que, de acordo com Cristina Queiroz, sendo “certo que não se discute ou nega o momento económico e financeiro de reforma do Estado e das suas instituições prevalentes. Mas daí a afirmar que o momento é de “necessidade”, rectius, de” direito de necessidade”, é que me parece, do ponto de vista conceptual e dogmático, excessivo, e, como tal, desadequado”[21].
II.1.Do Princípio da Proporcionalidade
“Deste modo, o princípio da proporcionalidade, mais do que um critério ou método de interpretação e/ou de densificação, na sua versão alexiana, que é a dominante entre nós, deve ser interpretado como um método de controle. E funciona na sua formula de aplicação triádica: idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.”[22]
Como vimos, os direitos de primeira geração, estando associados a obrigação negativas estaduais, requerem uma não ação/abstenção do Estado para que os direitos sejam realizados.
Assim, se o Estado decidir intervir temos de analisar se essa intervenção é ou não excessiva, uma vez que no caso de haver uma intervenção excessiva há violação do principio da proporcionalidade (proibição de excesso).
No caso dos direitos de segunda geração, uma vez que estão associadas a obrigações positivas estaduais, a não ação quando devida está associada a omissões que violam o principio da proporcionalidade na sua dimensão de “proibição insuficiente”.
Cabe, assim, ao legislador proteger o
direito, respeitando-o e promovendo-o. Contudo, se o legislador concretizar o
direito “por mais ou por menos”, competirá ao Tribunal Constitucional agir de
acordo com o estabelecido na CRP.
No decurso da crise económico financeira, o princípio da proporcionalidade foi analisado sobretudo em relação a direitos de segunda geração.
O Tribunal Constitucional, quando chamado a pronunciar-se sobre a conformação das normas com o princípio da proporcionalidade, terá tido de ter em conta as três dimensões do princípio (idoneidade[23], necessidade[24] e proporcionalidade em sentido estrito[25]) .
Perante medidas restritivas de direitos, e no que respeita à aplicação do critério da idoneidade, o Tribunal Constitucional tem de verificar se o meio é o necessário, procedendo à comparação das várias medidas alternativas possíveis - a medida a adotar será o meio “menos restritivo”.
A diferença entre os critérios da “proibição do excesso” e da “proibição da omissão e/ou insuficiência” reside, exatamente, no facto de, neste último, caso ser necessário comparar todos os meios alternativos e escolher o menos lesivo.
No caso dos direitos sociais, teremos de ter em conta a noção de reserva do possível (proporcionalidade em sentido amplo). Os direitos sociais estão dependentes dos recursos financeiros dos Estados e devem ser realizados no máximo de recursos possíveis tal como decorre do artigo 2.º do PIDESC.[26] Neste caso, para além dos três subprincípios ainda temos de ter em conta o “dever de proteção”[27] que exige que se afete tudo aquilo que o bem jurídico necessita. Este dever pode determinar que a medida legislativa é insuficiente para concretizar o direito em causa.[28]
Os direitos estão associados a uma função de proteção que obriga a que haja uma promoção do bem jurídico em tudo o que for necessário. Segundo Sérvulo Correia: “ Esta figura de um dever geral de proteção (Allgemeine Schutzpflicht) ou tarefa estadual de proteção dos direitos fundamentais pelo Estado (Schutzauftrag deStaates), derivando do conteúdo objetivo dos direitos fundamentais, está na base da mudança de paradigma em que se deixa de apenas impor ao Estado os deveres de respeito atrás tratados, para lhe atribuir um papel de protetor dos direitos fundamentais ou de “(melhor) amigo” dos direitos fundamentais (Gruundrechtsfreund), por imperativo constitucional”(…)Além disso, é ainda tarefa fundamental do Estado a de garantir os direitos e liberdades fundamenais e de promover a efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais”[29].
Resulta, assim, que, mesmo em períodos de crise económica e financeira, tanto o legislador ordinário como o Tribunal Constitucional devem nortear as respetivas atuações no respeito pelo princípio da proporcionalidade.
No momento em que se opere uma restrição haverá sempre de escolher os meios menos lesivos (vertente da necessidade), comparando as várias alternativas (vertente da idoneidade) e realizando um juízo de ponderação (vertente da proporcionalidade).
II.2. Do Principio da igualdade
“Em termos breves, a liberdade pressupõe tanto o controle de situações de desigualdade como o reconhecimento da diferença. Casos iguais devem ser tratados de forma igual, casos diferentes devem ser objeto de um tratamento diferente”[30]
O princípio da igualdade, que vem consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.[31], está, cada vez mais, interrelacionado com o princípio da proporcionalidade, falando-se, mesmo, em igualdade proporcional.
Segundo Cristina Queiroz, “(…) o princípio da igualdade não se refere apenas a “atos”, mas também às “consequências jurídicas” que esses atos acarretam [32]. Nestes casos, a realização do princípio de igualdade pode não ordenar um tratamento igual, antes exigir um tratamento diferenciado naqueles casos ou situações que apresentam diferenças especificas (differentia specifica) em virtude de uma marca ou situação distinta”.(…) “Ora, justamente é esta dimensão do princípio de igualdade que obriga os tribunais de Justiça Constitucional não apenas à utilização do critério da “proporcionalidade”[33], mas ainda a operar uma “comparação” entre pessoas ou grupos de pessoas ou até mesmo entre situações de facto (tertium comparationis)”[34].
A aplicação do princípio da igualdade durante o período de assistência económica foi objeto de análise, em particular, no Acórdão n.º 396/2011 – que apreciou a redução dos salários aos funcionários públicos. O Tribunal Constitucional veio a considerar que os funcionários públicos não estavam em posição de igualdade com os restantes cidadãos por seres pagos com verbas públicas. Neste acórdão, a medida adotada pelo Governo foi considerada conforme à Constituição, mas já não nos Acórdãos n.ºs 353/2012,187/2003 e 413/201.
Nos últimos acórdãos mencionados, o Tribunal Constitucional veio a manifestar-se nos seguintes termos: “Em consequência, o Tribunal Constitucional declara “não idóneos” os meios utilizados pelo legislador em ordem à realização da finalidade especificamente alegada, que foi a da “sustentabilidade financeira do Estado” num “período de emergência”. E conclui: [a] dimensão da desigualdade do tratamento tem que ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva”. [35]
De facto, não é admissível que o
legislador ordinário, ainda que visando “salvar” o país de uma crise
financeira, adote medidas desproporcionais, escolhendo meios não idóneos para
realizar os objetivos tidos por necessários para retirar, “a todo o custo”, o
país de uma crise – adotando medidas que impliquem violações do princípio da igualdade
-, nem pode o Tribunal Constitucional (como aconteceu com no acórdão relativo
aos cortes na função pública) pronunciar-se em termos de considerar admissíveis
tais violações.
“[...] a proteção da confiança traduz a incidência subjetiva da tutela da segurança jurídica, representando ambas, em conceção consolidadamente aceite, uma exigência indeclinável (ainda que não expressamente formulada) de realização do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2º da CRP). O Princípio da confiança resulta da cláusula do “Estado de Direito democrático” do artigo 2.º da Constituição.” [36] Cf. Acórdão n. 353/2012, paragrafo 20[37]
No decurso da crise financeira, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre o conteúdo do princípio da confiança nos seus Acórdãos n.ºs 396/2011, 353/2012,187/2013 e 413/2014, dado que, várias das medidas adotadas pelo legislador colocavam em causa espectativas dos cidadãos - estando o princípio da confiança associado à segurança jurídica, os cidadãos não devem ser “apanhados de surpresa” no que respeita às ações adotadas pelo Estado.
Segundo Gomes Canotilho: “ O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo ( abrangendo, pois, a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm do direito poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicas deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico(…)”[38],[39].
Assim sendo, o Tribunal ao proceder à analise dos Orçamentos do Estado de 2011 a 2014, teve de verificar se as restrições colocavam em causa o princípio constitucional da confiança, tendo “(…) vindo a determinar que este resultava violado quando:
- O Estado tenha encetado comportamentos
capazes de gerar nos privados «expectativas de continuidade»;
- Que essas expectativas sejam legitimas,
isto é, justificadas e fundadas em «boas razões»;
- Que os privados tenham feito “planos de
vida” na perspetiva da consideração da «continuidade» do comportamento
estadual;
- Que não ocorram, por último, necessariamente «razões de interesse público» «que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativas»[40],
Nos termos do Acórdão n. 353/2012, e no que concerne à verificação do terceiro item, torna-se necessário fazer uma distinção entre o destinatário da medida estar ou não em condições de alterar os seus “planos de vida” face a uma alteração do comportamento do Estado. Como se adianta no Acórdão, no seu paragrafo 32, “esta distinção é de crucial importância uma vez que não poderá deixar de se entender que deve haver uma proteção reforçada da confiança para aqueles que pura e simplesmente já não têm possibilidade de adaptar os seus planos de vida a um novo comportamento do Estado e, portanto, só podem esperar do Estado – de um Estado «de bem» – que este não altere o seu comportamento.” Apreciava-se a situação dos aposentados e reformados que, como se sublinha no citado Acórdão, no seu paragrafo 33, “não têm possibilidade de escolher, como é óbvio, quais são ou serão os seus planos de vida: não podem decidir se adquirem mais ou menos qualificações, qual a profissão que exercem, se no setor público ou privado, se permanecem em Portugal ou emigram, se trabalham por conta de outrem ou própria, se enveredam pelo empreendedorismo, se vivem nesta ou naquela localidade, se adquirem ou não habitação própria, se fazem ou não poupanças, se têm um modo de vida mais ou menos desafogado, se consomem mais isto ou aquilo, se gastam mais ou menos em medicamentos, etc.”. Neste caso, os “planos de vida” estão em regra inexoravelmente traçados. Resta-lhes simplesmente confiar que o Estado não os inviabilize, em termos que significarão, muitas vezes, uma inevitável condenação a uma vida de dificuldades que já não têm condições para enfrentar e vencer. Para esses não se trata apenas “de reduções significativas, capazes de gerarem ou acentuarem dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de compromissos assumidos.”
O requisito (iv) exige que o interesse público que justifica a não tutela da confiança seja incomensuravelmente mais pesado.
Segundo Cristina Queiroz: “Quer dizer, segundo o Tribunal Constitucional,
haverá violação do “princípio da segurança jurídica na vertente material de
confiança”, sempre que o Estado inviabilize, de forma “arbitrária” ou
“excessivamente onerosa” a possibilidade de os particulares poderem adaptar o
seu “plano de vida “a um novo enquadramento normativo.”[42]
II.4.Do Princípio do não retrocesso social
“Todavia, ainda que se não adote posição tão restritiva, a proibição do retrocesso social operará tão-só quando, como refere J. J. Gomes Canotilho, se pretenda atingir «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial». Ou, ainda, tal como sustenta José Carlos Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do conteúdo do direito social se faça com violação do princípio da igualdade ou do princípio da proteção da confiança; ou, então, quando se atinja o conteúdo de um direito social cujos contornos se hajam iniludivelmente enraizado ou sedimentado no seio da sociedade.” Cf. Acórdão n.º 509/2002[43]
Os direitos económicos, sociais e culturais, tal como salientado em I supra, estão associados à realização de prestações positivas estaduais, isto é, necessitam de ser concretizados através de politicas públicas. No período que mediou entre 2011 e 2018 o Estado, atentas as dificuldades financeiras e económicas vividas, viu-se impossibilitado de concretizar estes direitos na sua plenitude, ou, pelos menos, nos exatos termos em que os vinha concretizando até então.
Associada à concretização dos mencionados direitos está, também, o princípio da” proibição do retrocesso social”.
No Acórdão nº 509/2002[44] defende-se que qualquer direito social pode ser objeto de restrição, o que significa que, de facto, pode haver retrocesso social. Mas, este retrocesso não pode afetar o núcleo essencial do direito e terá de ser acompanhada de medidas alternativas ou compensatórias.
Tal como sublinha Gomes Canotilho “O principio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas (…) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial. Não se trata, pois, de proibir um retrocesso social captado em termos ideológicos ou formulado em termos gerais ou de garantir em abstrato um status quo social, mas de proteger direitos fundamentais sociais sobretudo no seu núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana(..)”.[45]
Importante, nesta matéria, é ainda a distinção entre “reversibilidade fáctica” e “proibição do retrocesso social”. O primeiro está associado a crises financeiras e a recessões, como explica Cristina Queiroz:” Assim, a escassez de meios quanto ao “objeto” do direito, basicamente a “prestação”, constitui um “limite fáctico” de todos os direitos fundamentais sociais. O princípio clássico” ultra posse nemo obligatur”, isto é, que não pode ser buscado o que não existe, a impossibilidade de cumprir deveres como fenómeno jurídico geral, que também pode ocorrer no caso dos direitos, liberdades e garantias, é que poderá apresentar-se como uma “ limitação normativa”[46], o ““principio da proibição do retrocesso social” propriamente dito, isto é, a reversibilidade dos “ direitos adquiridos” como corre, v.g., quanto se reduzem os créditos da segurança social, o subsídio de desemprego ou as prestações de saúde”[47]
Na situação concreta da redução do valor
das pensões, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 862/2013, defendeu
que o direito fundamental tinha de ser salvaguardado, mas isso não significava
que o direito não pudesse ser restringido temporariamente. O que está previsto
na Constituição da República Portuguesa é um direito à pensão, mas não há a
previsão de uma quantia em especial, logo, temporariamente, numa lógica de
necessidade e apresentando-se uma alternativa viável, pode haver uma restrição
do direito - uma vez terminado o período de exceção, pode voltar a expandir-se
o direito (estamos perante direitos elásticos).[48]
Deste modo, os direitos sociais só são
passíveis de ser restringidos se se apresentarem alternativas ou compensações e
desde que não se afete a núcleo essencial do direito, de forma a não violar os
deveres de proteção que caracterizam todos os direitos. Ainda segundo Cristina Queiroz: “Concretamente,
a “proibição do retrocesso social” determina, de um lado, que, uma vez
consagradas legalmente as “prestações sociais”, o legislador não pode depois
eliminá-las sem alternativas ou compensações. Uma vez dimanada pelo Estado a
legislação concretizadora do direito fundamental social, que se apresenta face
a esse direito como uma “lei de proteção” (Schutzgestz), a ação do Estado, que
se consubstanciava num “dever de legislar”, transforma-se num dever mais
abrangente: o de não eliminar ou revogar essa lei(..) Nisto consiste o “dever
de proteção” jurídico-constitucional, que deve ser pressuposto quer pela
administração pública quer pelo poder judicial. Esse “dever de proteção” não
reveste a natureza de uma “omissão estadual”, antes de uma “ação positiva”, que
se constitui face ao titular do direito como um “direito de defesa em sentido
material”. Por sua vez, o “ dever de proteção” do Estado, uma vez dimanada a “
lei de proteção”, converte-se, face ao titular do direito num “ direito de
defesa em sentido formal””[49]
[50].
III.A posição adotada pelo tribunal constitucional em tempos de crise
“Desde o compromisso assumido com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, a nível da União Europeia, que o Tribunal Constitucional se tem vindo a confrontar com o agudizar da crise dos direitos, e ,em particular, dos chamados direitos fundamentais sociais”.[51]
Como salienta Cristina Queiroz, a
entrada em vigor do “Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na
União Europeia e Monetária”[52],
bem como do programa “Outright Monetary Transactions do Banco Central Europeu”[53],[54]
e do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Politica
Económica” vieram restringir os direitos sociais.
Na verdade, como salientámos, a partir de 2011 o Tribunal Constitucional “viu-se confrontado com um conjunto de pedidos de fiscalização da constitucionalidade” que deram origens a vários acórdãos proferidos durante a crise financeira em que Portugal se encontrava. Foram eles[55]:o Acórdão n.º 396/2011 sobre as reduções remuneratórias na função pública, Orçamento do Estado para 2011; o Acórdão n.º 353/2012 sobre a suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal, manutenção das redução remuneratórias consagradas na Lei do Orçamento do Estado para 2011, que se estenderam, então, aos aposentados e reformados, tanto do setor público, como privado, Orçamento do Estado para 2012; o Acórdão n.º 187/2013 referente à suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal, manutenção das redução remuneratórias, contribuição extraordinária de solidariedade, Orçamento do Estado para 2013; o Acórdão n.º 602/2013 sobre o Código de Trabalho; o Acórdão n.º 862/2013 sobre a convergência, recálculo e redução do sistema de proteção social e pensões; o Acórdão n.º 474/2013 sobre justa causa na cessação do vínculo laboral, sistema de requalificação na função pública; o Acórdão n.º 794/2013 sobre o limite máximo da jornada de trabalho na função pública; e o Acórdão nº 413/2014 referente à suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal, manutenção das redução remuneratórias, contribuição sobre prestação de doença e desemprego, pensões de sobrevivência, complemento de pensões pagas poe empresas do setor público empresarial, Orçamento do Estado para 2014.
As decisões adotadas pelo Tribunal Constitucional foram no âmbito de processos de fiscalização abstrata da constitucionalidade e na sua fundamentação foram tidos em conta os princípios desenvolvidos em II, supra.
Porém, a jurisprudência não foi constante no âmbito da garantia dos deveres de proteção que ao Estado cabe não violar:
·
No primeiro acórdão (Ac TC n. º396/2011
- reduções remuneratórias na função
pública - Orçamento do Estado para 2011), a decisão, estribando-se na aplicação
do princípio da igualdade, foi no sentido de que eram constitucionais as medidas
de redução dos salários dos funcionários públicos, com o fundamento de que estes
não estavam em posição de igualdade com os restantes cidadãos por seres pagos por
verbas públicas. A decisão veio a merecer bastantes criticas dos mais diversos
setores.
Se neste primeiro acórdão a medida foi considerada conforme com a CRP, o mesmo não se verificou nos acórdãos Ac TC n.ºs 353/2012, 187/2013 e 413/2014. Nestes dois últimos acórdãos o Tribunal Constitucional mudou de posição – afastou-se da argumentação de que os funcionários públicos beneficiavam tanto de maiores salários como de uma maior estabilidade no emprego, utilizado no primeiro acórdão para justificar a constitucionalidade das medidas, para se centrar na ideia de não ser possível, em termos médios, comparar os salários dos funcionários públicos com os trabalhadores privados, desde logo porque há funções exercidas pelos funcionários públicos que não têm paralelo na função privada (como, por exemplo, as funções de soberania). Nestes acórdãos, o Tribunal utiliza o princípio da igualdade em conexão com o princípio da proporcionalidade (igualdade proporcional). As medidas adotadas têm de ser proporcionais “às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessivas”.[56]
· No Ac Tc n.º 353/2012 - referente à suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal-, a decisão foi no sentido da manutenção das medidas de redução remuneratórias consagradas na Lei do Orçamento do Estado para 2011. Neste acórdão, discute-se a eventual violação do princípio da confiança relativamente aos aposentados e reformados que poderiam ver postos em causa os seus planos de vida. A decisão, porém, foi no sentido da constitucionalidade das medidas. Como o Tribunal reforça na sua fundamentação “6 — Estas medidas de suspensão do pagamento de remunerações e de pensões inserem -se, como ficou aludido, no quadro de uma política económico-financeira, tendente à redução do défice público a curto prazo, de modo a dar cumprimento aos limites (4,5 % do PIB em 2012) impostos nos memorandos acima mencionados, os quais condicionam a concretização dos empréstimos faseados acordados com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional. Sendo essencial para o Estado Português, no atual contexto de grave emergência, continuar a ter acesso a este financiamento externo, o cumprimento de tal valor orçamental revela -se, por isso, um objetivo de excecional interesse público”.
· No Ac Tc n.º 862/2013 - sobre a convergência, recálculo e redução do sistema de proteção social e pensões - o Tribunal decidiu que “Em suma: a redução e recálculo do montante das pensões dos atuais beneficiários, com efeitos imediatos, é uma medida que afeta desproporcionadamente o princípio constitucional da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.” Como se salienta no acórdão, haver uma redução das pensões numa ótica de sustentabilidade do sistema é possível desde que os critérios de revisão do direito à pensão não violem o princípio da igualdade de todos os beneficiários. “Com efeito, o questionamento dos direitos à pensão já constituídos na ótica da sustentabilidade do sistema público de pensões no seu todo e da justiça intergeracional não se opõe à redução das pensões. Tais interesses públicos poderão justificar uma revisão dos valores de pensões já atribuídas, visto que se conexionam com a alteração de circunstâncias - demográficas, económicas e financeiras - que transcendem as diferenças de regime entre os dois sistemas públicos de pensões existentes. Mas, também por isso, os critérios de revisão a observar terão de efetivamente visar recolocar num plano de igualdade todos os beneficiários dos dois sistemas, só desse modo se assegurando o respeito pela justiça intrageracional. Nessas circunstâncias, será o sistema e seus valores, designadamente a garantia da sua sustentabilidade e a sua equidade interna, a conferir sentido aos sacrifícios impostos aos respetivos beneficiários, desse modo justificando-os e legitimando-os à luz do princípio da tutela da confiança."
· No Ac Tc n.º 474/2013 - justa causa na cessação do vínculo laboral, sistema de requalificação na função pública - o Tribunal decidiu pela inconstitucionalidade, por violação da garantia da segurança no emprego e do princípio da proporcionalidade e, ainda, do princípio da confiança.
· Por último, no Ac Tc n.º 794/2013 - sobre limite máximo da jornada de trabalho na função pública - o Tribunal decidiu não declarar inconstitucional as normas dos artigos 2.º, em articulação com o artigo 10.º, 3.º, 4.º e 11.º, todos da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto.
Ora, ainda que competindo, em primeira linha, ao legislador ordinário cumprir
as obrigações constitucionais no respeito dos princípios gerais enunciados, a
verdade é que o Tribunal Constitucional tem, igualmente, um papel-chave no que
concerne ao cumprimento e à proteção dos direitos, através da ação subsidiária
de controlo que a CRP lhe atribui.
É, aliás, em períodos de crise que o Tribunal Constitucional deveria, no
quadro do controle de medidas económicas (competência jurisdicional de
controle), garantir que os deveres de proteção do Estado não são violados.
IV. conclusão
O Estado português como vimos, em maio de 2011, devido a uma grave crise financeira, teve de aceitar um “Programa de Assistência Económica e Financeira” (PAEF), que teve tradução no memorando de Entendimento estabelecido com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, e implicou a adoção de medidas de austeridade como vimos.
O Tribunal Constitucional, que tem, em períodos de crise, um papel-chave no que concerne à verificação do cumprimento e à proteção dos direitos, através da ação subsidiária de controlo que a CRP lhe atribui, foi chamado a pronunciar-se sobre um conjunto de medidas, adotadas pelo legislador ordinário, constantes dos Orçamentos do Estado de 2011, 2012, 2013 e 2014.
Porém, da análise da jurisprudência, resulta que Tribunal Constitucional terá ficado aquém de uma rigorosa aplicação dos princípios constitucionais, com impacto na concretização do Estado Social, o que permite perspetivar a necessidade de introdução de ajustamentos e reformas.
A concretização de qualquer direito, e não
só a concretização dos direitos de 2.º geração, está associada ao dispêndio de
recursos públicos, sendo que o orçamento do Estado não consegue suportar todos
os custos associados aos deveres de proteção. Assim, no futuro, deveriam estabelecer-se,
com clareza, as prioridades a nível da despesa em geral e das políticas públicas
em especial, acompanhada de uma maior contenção, de forma a evitar que o Estado
entre num cenário de crise, como o vivido em 2008.
Sugestão de citação: J. C. Coelho, " A posição adotada pelo Tribunal Constitucional em tempos de crise", 19th June, 19 de novembro de 2022.
[1] “O Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) foi acordado, em maio de 2011, entre as autoridades portuguesas, a União Europeia e o FMI. Com uma estratégia que visava o restabelecimento da confiança dos mercados financeiros internacionais e a promoção da competitividade e do crescimento económico sustentável, o Programa assentou em três pilares: consolidação orçamental, estabilidade do sistema financeiro e transformação estrutural da economia portuguesa. O pacote de assistência financeira previa, para o período de 2011 a 2014, um total de 78 mil milhões de euros, dos quais 52 mil milhões de euros correspondiam a financiamento através dos mecanismos europeus (Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira e Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) e 26 mil milhões de euros a assistência do FMI, ao abrigo de um Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility). Deste total, 12 mil milhões de euros foram destinados ao mecanismo de apoio público à solvabilidade do setor bancário (Bank Solvency Support Facility).” https://www.bportugal.pt/page/programa-de-assistencia-economica-e-financeira.
[2]Queiroz, Cristina, Justiça
Constitucional, Coimbra Editoria, 2004, p 4.
[3]No caso português, os
Direitos, Liberdades e Garantias constam dos artigos 24.º a 56.º da
Constituição da República Portuguesa (CRP), enquanto os Direitos Económicos,
Sociais e Culturais constam dos artigos 57 a 79.º da mesma CRP.
[4] Os direitos,
liberdades e garantias podem ainda ser de natureza análoga (artigo 17.º da
CRP). Tal como consta do artigo 18.º estes direitos são também aplicáveis
diretamente, significando que as entidades públicas e privadas estão vinculadas
aos direitos independentemente de haver uma lei que os concretize.
[5] Pereira da Silva,
Jorge, Deveres do Estado de Proteção de Direitos Fundamentais, Católica Editora
,2015, página 17
[6]“Em geral, pode
dizer-se que o período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial assinala o marco
histórico da conversão qualitativa do antigo Estado liberal num Estado social.
Assistiu-se, em boa verdade, a uma mudança de paradigma constitucional. Os dois
elementos centrais desta mudança são:(i) o elemento antropocêntrico, que eleva
a dignidade da pessoa humana a principio fundamental; (ii) e o elemento social,
através do qual o principio do Estado social é elevado a principio
constitucional.” Santos Botelho, Catarina, Os Direitos Sociais num contexto de
austeridade: Um elogio Fúnebre ao princípio da proibição do Retrocesso social? p
264.
[7] “Esta distinção,
todavia, não significa que os direitos fundamentais sociais possam ser
compreendidos como “normas programáticas”,” diretivas” ou simples “apelos” ao
legislador. De igual modo, o seu âmbito de aplicação não se reporta
exclusivamente ao “princípio de igualdade” como critério diretivo para a ação
público-estadual. Pelo contrário, a realização desses direitos não depende
unicamente da institucionalização de uma ordem jurídica nem tão pouco de uma
mera decisão política dos órgãos politicamente conformadores, mas da conquita
de uma ordem social em que impere uma justa distribuição dos bens, a qual só
poderá ser alcançada de modo progressivo”. Queiroz, Cristina, O Princípio da
não reversibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais- Princípios Dogmáticos e
Prática Jurisprudencial, Coimbra Editora,2006, página 63
[8] Pereira da Silva,
Jorge, ob.cit., p. 26.
[9] “Por sua vez, no âmago
dos direitos económicos e sociais, a ideia e a própria expressão “proteção”
encontram-se presentes tanto entre os direitos dos consumidores - cuja saúde
deve ser protegida -como na definição dos objetivos (ou das coberturas) do
sistema de segurança social (n. º3 do artigo 63.º), como ainda no enunciação
das incumbências do Estado em matéria de saúde (artigo 64.º) e de salvaguarda
da paisagem e do ambiente [alíneas c), e) e h) do artigo 66.º” Pereira da
Silva, Jorge, Ibidem. p 24.
[10]«Em muitos casos, a implementação
significa que o Estado e as suas autoridades têm de respeitar os direitos
aceites, isto é, respeitar o direito à privacidade e o direito de expressão.
Isto é particularmente relevante para os direitos civis e políticos, ao passo
que para os direitos sociais, económicos e culturais, implicam obrigações
positivas de implementação, por parte do Estado. Ou seja, neste último caso, o
Estado terá de garantir ou fornecer certos serviços, tais como a educação e a
saúde e assegurar certos serviços mínimos. Neste contexto, é tida em
consideração a capacidade de cada Estado para o fazer.» In. Compreender os
Direitos Humanos, p 59.
[11] Queiroz, Cristina, Direitos
Fundamentais Sociais. Âmbito, conteúdo, questões interpretativas e problemas de
justiciabilidade, Coimbra, 2006, p 152.
[12] “A própria jurisdição
constitucional aderiu a esta ideia de deveres estaduais de proteção e tem
recorrido a eles com uma cadência crescente, sendo já vários os arestos em que
aqueles se encontram na base de decisões de inconstitucionalidade -Acórdãos n.º
254/2002 e n.º 166/2010(…)” Pereira da Silva, Jorge, Deveres do Estado de
Proteção de Direitos Fundamentais, Católica Editora, 2015, p 24.
[13] “Em contraste com a
unidimensionalidade de outrora, fala-se hoje abertamente de uma multifuncionalidade
(ou pluridimensionalidade) dos direitos fundamentais. A tradicional função de
defesa é apenas uma entre variadíssimas outras funções - de pendor subjetivo,
objetivo, institucional ou valorativo - que os direitos fundamentais
desempenham no seio da ordem jurídica” Pereira da Silva, Jorge, ob.cit., p 26.
[14] Pereira da Silva,
Jorge, Ibidem, p 27.
[15] Pereira da Silva, Jorge, Ibidem, página 27
[16] “(…) a função de
proteção representa de certa forma uma função de síntese das dimensões
jusfundamentais que historicamente a antecederam (…). À tradicional função de
defesa (…) a circunstancia de não querer mudar o mundo para melhor -, visando
apenas a preservação dos bens jurídicos fundamentais dos indivíduos em face de
certas ameaças. Em larga medida, é também ela uma função de defesa, de
preservação de status quo, mas agora em relação a perigos e riscos de origem
não pública, ou, pelo menos, não inteiramente controláveis pelo próprio Estado
(…). Em contrapartida, tal como sucede com as dimensões prestacionais que
caraterizam medularmente os direitos sociais, a dimensão de proteção implica
para o Estado a necessidade de atuações positivas, por parte dos órgãos dos
seus diversos poderes. A segurança dos bens jusfundamentais dos cidadãos não se
alcança pela omissão do Estado, mas por via da realização de prestações
jurídicas- antes de mais a cargo do legislador- e de prestações materiais de
diversa índole(..). Numa palavra, a função de proteção não é uma verdadeira
dimensão negativa, mas antes uma função marcadamente positiva. Está, por isso,
também ela sujeita às vicissitudes próprias da denominada “reserva do possível”
-no que aliás apenas se confirma que, em última análise, todos os direitos
fundamentais estão dependentes dos recursos públicos, e portanto, dos
impostos”, Pereira da Silva, Jorge, Ibidem, p 28.
[17] “(….) Estes deveres
estatais de proteção são, por natureza, essencialmente realizados através de atuações
positivas, normativas ou fácticas, orientadas à proteção efetiva dos bens
jusfuncamentais. Mas, uma vez garantido ou realizado um certo grau de proteção,
ele fica naturalmente sujeito a potencias variações, num sentido vantajoso ou
desvantajoso, do ponto de vista do acesso individual aos bens
protegidos.(…)Assim, e quase num negativo do que acontecia com o dever de
respeitar, pode dizer que o dever de proteção se realiza essencialmente através
de atuações positivas, mas inclui também deveres de abstenção, de não afetação
negativa, projetando-se, então, na perspetiva dos particulares, em direitos
positivas a proteção, mas também em direitos negativos. Por outro lado, e tal
como acontecia no plano do dever de respeito, também quanto ao dever de proteção
esta duplicidade tanto existe relativamente a direitos de liberdade quanto a
direitos sociais.(…)”.Novais Reis, Jorge, Direitos Sociais-Teoria Jurídica dos
Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais, Coimbra Editora,2010,página
260
[18] “Em todo o caso, o cumprimento destes deveres por parte do Estado é por regra marcado por uma significativa liberdade de conformação do legislador, que lhe permite delinear diferentes estratégias, fazendo escolhas de entre os diversos instrumentos disponíveis (mais ou menos agressivos) ou usando-os de forma complementar. Esta liberdade de conformação tem como principal limite o princípio da proporcionalidade, na sua dupla vertente de proibição de defeito-ou de proteção insuficiente- e de proibição de excesso- ou restrição injustificada. Isto é, se o legislador tem que conferir ao direito fundamental sob ameaça um grau de proteção que seja constitucionalmente aceitável, considerando as variáveis acima apontadas- sob pena de pecar por omissão (total ou parcial), naturalmente aferível pelos tribunais-, também só pode levar essa proteção até onde as eventuais medidas restritivas para o efeito mobilizadas possam ainda, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º, considerar-se não excessivas para salvaguardar o direito ameaçado- sob pena de inconstitucionalidade por ação, também controlável pelos tribunais” Pereira da Silva, Jorge, Ibidem, p 31
[20] Novais Reis, Jorge,
Direitos Sociais-Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos
Fundamentais, Coimbra Editora,2010, página 260
[21] Queiroz, Cristina, O
Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais, Coimbra Editora, p.13.
[22] Queiroz, Cristina, ibidem,
p. 62.
[23] “A aplicação do
subprincípio da “idoneidade” implica o cumprimento de duas exigências: a
legitimidade constitucional do fim ou objetivo constitucional, bem como a
adequação da medida examinada. Uma forma de controle que atua, essencialmente,
“ex ante”, incidindo sobre a prognose efetuado pelo legislador, e que consiste
não em fixar(positivamente)a medida que deve ser tomada, mas em excluir algo.
Precisamente, os meios não idóneos.” Queiroz, Cristina, Justiça Constitucional ,
Coimbra Editora ,página 107,
[24] “o subprincípio da
“necessidade” exige que de dois ou mais meios igualmente idóneos seja escolhido
o “mais benigno” face ao Direito Fundamental afetado. Neste caso, trata-se de
uma “seleção” ou “escolha de meios”, devendo entre os meios idóneos ser escolhido
o meio” menos restritivo” ou” sensivelmente menos agressivo” face à realização
do Direito Fundamental. Ibidem, página 107.
[25] “Perante este quadro,
o subprincípio da “proporcionalidade” mostra-se idêntico à “lei de ponderação”,
posto que estabelece, de igual modo, que quanto maior for o grau de não
satisfação ou de afetação de um dos direitos ou bens jurídicos implicados tanto
maior deverá ser a importância da satisfação dos outros.” , Queiroz, Cristina, Justiça constitucional,
Coimbra Editora, Página 109
[26] Artigo 2.º, n. º2:
“Cada um dos Estados-Signatários no presente Pacto compromete-se a adoptar
medidas, seja isoladamente, seja através da assistência e cooperação
internacionais, especialmente económicas e técnicas, até ao máximo dos recursos
de que disponha, por todos os meios adequados, inclusive e em particular a
adoção de medidas legislativas, para atingir progressivamente a plena
efetividade dos direitos aqui reconhecidos”
[27] “Ora, é a existência
desse “dever de proteção” (Schutzpficht) que poderá determinar a
“insuficiência” da medida legislativa na concretização dos direitos e deveres
afetados. E isto porque o Direito infra-constitucional deve garantir, no seu
conjunto, uma “proteção eficiente”, tendo em consideração que o “âmbito” e o
“conteúdo” dos Direitos Fundamentais Sociais, na maior parte dos casos, não
resultam diretamente determinados na Constituição, necessitando de ser
“concretizados” pelo legislador infra-constitucional. Queiroz, Cristina, Justiça
Constitucional, Coimbra Editora, página 110
[28] “Seja como for, a
proibição da omissão e/ou insuficiência não coincide, necessariamente, com o
“dever de proteção”. Trata-se de dois instrumentos distintos pelos quais, em
primeiro lugar, se controla se existe um “dever de proteção”, e, depois, em que
termos esse dever deverá ser concretizado pelo Direito infra-constitucional,
sem descer abaixo de um mínimo de proteção constitucionalmente garantido.”
Ibidem, página 112
[29] Correia, Sérvulo,
Direitos Fundamentais, página 97
[30] Queiroz, Cristina, idem,
p. 40.
[31] O princípio da
igualdade não apenas se configura como um postulado constitucional, como,
inclusive, se apresenta como um principio fundamental de justiça (..). E
apresenta-se não apenas como afirmação de uma igualdade perante a lei, isto é,
perante o poder executivo, quanto, sobretudo, de igualdade na “formulação” da
própria lei. O que significa que o principio de igualdade é dotado de validade
não apenas face ao poder executivo, mas também face ao poder legislativo”. Ob.cit.p.39
[32] “Daí a “nova” fórmula
ou “nova” formulação do princípio de igualdade. Este não compreende unicamente
a “proibição do arbítrio”, englobando ainda uma “obrigação de diferenciação”.
Esta última determina que o legislador não pode tratar arbitrariamente como igual
o que é essencialmente desigual, traduzindo-se, preferentemente, numa forma de
“compensação” (Ausgleich) que visa contrariar situações de desigualdade
relevantes. E que pode variar desde a fórmula clássica da mera “proibição do
arbítrio” até à “nova” fórmula de uma estrita vinculação às exigências do
“principio da proporcionalidade”, devendo quedar determinado, “no caso”, se são
razões de “similitude” ou de “diferenciação” as que se mostram juridicamente
relevantes e em que medida o são.”, Queiroz, Cristina, Justiça Constitucional,
Coimbra Editora p 103.
[33] “A aplicação do
princípio da igualdade, da qual decorre uma análise de verificação ou
constatação de uma desigualdade relevante, implica o recurso ao “princípio da
proporcionalidade”. Este determina que se deve ter especialmente em
consideração “no caso”, não apenas a intensidade da intervenção, mas ainda o
peso das razões que justificam (ou não) a diferenciação estabelecida pelo
legislador quanto ao direito cuja vulnerabilidade ou delimitação se encontra em
apreciação.” Queiroz, Cristina, Ibidem. página 104
[34] Queiroz, Cristina, O
Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais, Coimbra Editora, a págs. 41.
[35] Queiroz, Cristina, ob.cit.,
p 53.
[36] O principio da
confiança pode ter duas leituras: Uma retirada do Direito Privado, e,
sobretudo, do Direito dos Contratos – os “pactos devem ser honrados”, isto é,
cumpridos” (pacta sunt servanda) (…) e “um sentido político, rectius, “político-constitucional”.
O que, tratando-se de direitos constitucionalmente reconhecidos, significa que
os mesmos fazem parte da “soberania”, logo do contrato social que está na base
da formação do próprio Estado. Queiroz, Cristina, ob.cit., p 25
[38] Canotilho, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, almedina, 2003,página 257
[39] “ Estes dois
princípios – segurança jurídica e proteção da confiança-andam estritamente
associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção da
confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança
jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com
elementos objetivos da ordem jurídica- garantia de estabilidade jurídica,
segurança de orientação e realização do direito- enquanto a proteção da
confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança,
designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação
aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos. A segurança e a proteção
da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e
transparência dos atos de poder;(2) de forma que em relação a eles o cidadão
veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos
jurídicos dos seus próprios atos.” Ibidem, página 257
[40] Queiroz, Cristina, ibidem, p 28.
[42] Queiroz, Cristina, ibidem,
p 29.
[44]O Tribunal Constitucional
no Acórdão nº.101/92, considerou que “só
ocorreria retrocesso social constitucionalmente proibido quando fossem
diminuídos ou afetados «direitos adquiridos», e isto «em termos de se gerar
violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no
âmbito económico, social e cultural», tendo em conta uma prévia subjetivação
desses mesmos direitos” http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020509.html
[45] Gomes Canotilho, J.J,
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 340.
[46] Queiroz, Queiroz, O
Princípio da Não Reversibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais- Princípios
Dogmáticos e Prática Jurisprudencial, Coimbra Editora,2006, página 74
[47] Ibidem, página 74
[48] “Essa diferente
natureza das normas de direitos fundamentais sociais também se reflete na
liberdade de que o legislador dispõe, para, após ter dado concretização aos
direitos sociais, poder alterar a sua configuração infraconstitucional. Alguma
doutrina tem referido, neste contexto, que "quando o parâmetro de
verificação da constitucionalidade é este último tipo de normas e sempre que a
lei ordinária já concretizou, total ou parcialmente, aquelas imposições
constitucionais precisas, entende-se que o legislador perde margem para
eventual retrocesso, pelo menos quando tal retrocesso configure a criação ou
reposição de um incumprimento omissivo da Constituição" Reis Novais,
Jorge, "O Tribunal Constitucional e os direitos sociais - o direito à
segurança social", Jurisprudência Constitucional, n.º 6, 2006, p 5.
E alguns autores referem mesmo, em
concretização desta ideia, que a liberdade de conformação do legislador tem
como limite o "núcleo essencial já realizado" dos direitos , cf.
Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Garantia da Constituição, 2.ª edição,
Almedina, 1998, a págs. 437 ou o nível realizado de concretização legislativa
que já beneficiava de uma sedimentação na consciência jurídica geral que lhe
conferia o estatuto de direito materialmente constitucional, cf. Vieira de
Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª
edição, Almedina, p 377.
Há que sublinhar, porém, que o pleno
cumprimento do programa constitucional dos direitos sociais depende
"essencialmente de fatores financeiros e materiais que, em grande medida,
o Estado não domina" (cf. Reis Novais, Jorge, As Restrições aos Direitos
Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra, 2.ª ed.
2003, p 147). Assim, a concretização legislativa dos direitos sociais é levada
a cabo pelo legislador em função dos recursos disponíveis em cada momento
histórico. A ideia da preservação do "núcleo essencial" não se
pode confundir com a ideia de um princípio de "proibição do
retrocesso social", cujo conceito puro é impraticável, já que pressuporia
a ideia de que os recursos disponíveis seriam sempre crescentes no futuro, cf.
Reis Novais, Jorge, ob. cit., p. 243.
Aliás, como afirma Gomes Canotilho, uma
tese de "irreversibilidade de direitos sociais adquiridos" deve
entender-se "com razoabilidade e com racionalidade, pois poderá ser
necessário, adequado e proporcional baixar os níveis de prestações essenciais
para manter o núcleo essencial do próprio direito social", cf. "Bypass
Social e o Núcleo Essencial das prestações Sociais", in Estudos sobre
Direitos Fundamentais, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p 265. Nesta
perspetiva, a própria garantia da manutenção do conteúdo mínimo do direito à
pensão pode exigir a diminuição do seu montante, de forma a preservar recursos
para a manutenção desse núcleo essencial.” https://dre.pt/pesquisa/-/search/606350/details/maximized
[49] Queiroz, Cristina, O
Princípio da Não Reversibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais- Princípios
Dogmáticos e Prática Jurisprudencial, Coimbra Editora,2006,página 70
[50] E ainda:” As
diferentes” posições jurídicas constituídas”, porém, não podem descer abaixo de
um nível que se pressupõe razoável sem violar o “dever de proteção”, a que o
Estado se encontra obrigado, isto é, sem violar ela própria o princípio da
“proibição da insuficiência”. Isto significa que se o legislador suprimir, sem
qualquer alternativa ou compensação, ações de tipo negatório, daqui poderá
resultar uma lacuna de proteção tão massiva ou generalizada, que, neste aspeto,
não se encontraria satisfeita a exigência de uma realização eficiente do “
dever de proteção”, decorrente da cláusula do Estado de Direito Democrático do
artigo 2.º da Constituição”, ibidem ,página 76
[51] Queiroz, Cristina, O
Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais, Coimbra Editora, 2014, p 11.
[52] “O Tratado sobre
Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (TECG)
foi assinado, a 2 de março de 2012, pelos Chefes de Estado e de Governo dos
Estados-
Membros da União Europeia (com exceção
do Reino Unido e da República Checa), visando reforçar a disciplina orçamental
através da introdução de medidas que garantam uma maior fiscalização e uma
resposta mais eficaz face à emergência de desequilíbrios” http://www.eurocid.pt/pls/wsd/wsdwcot0.detalhe?p_cot_id=7366
[54] Em maio de 2011, a
situação das finanças publicas portuguesas impeliu o Estado a aceitar um
“programa de assistência económica e financeira”, que se corporizou no
memorando de Entendimento acordado com a tríade Comissão Europeia, Banco
Central Europeu e Fundo Monetário Internacional (conhecida por Troika) e que
implicou a adoção de fortes medidas de austeridade, mormente cortes na despesa
publica e o aumento de impostos (3). Nesta conjuntura, não é de surpreender que
tenham reacendido os seguintes debates constitucionais: (i) até que ponto (ou
se é de todo admissível) um retrocesso ou uma reformatio in pejus dos direitos
a prestações derivados da lei; (ii) qual o papel do Tribunal Constitucional
perante as polémicas medidas anticrise. Os Direitos Sociais num contexto de
austeridade: Um elogio Fúnebre ao princípio da proibição do Retrocesso social? ,p.260
[55] Em tempos conturbados,
como os que vivemos, de expressiva crise económica e financeira, alguma
doutrina entende que os juízes constitucionais não deverão apenas se “ater ao
direito positivo estrito”, desconsiderando o principio da necessidade (132). A
titulo exemplificativo, para Maria Benedita Urbano, com o objetivo de evitar
uma politização do Tribunal Constitucional dever-se-ia extrair um “novo principio:
in dúbio pro medidas anti-crise” (133). Quanto a nós, temos sérias duvidas
quanto à pertinência de um tal principio, porquanto se estaria a inverter a
lógica subjacente ao principio da constitucionalidade plasmado no n.º 3 do
art.º 3.º da Constituição: são as medidas que tem que demonstrar a sua
compatibilização (ou maior compatibilização possível) com a Constituição, e não
o contrario (134). Numa abordagem diferente da acima proposta, não deixa de ser
interessante, com as devidas matizações, o apelo ao principio de hermenêutica
jurídica in dúbio pro justitia socialis, que tem sido invocado pela jurisdição
suprema argentina (135). Nas palavras certeiras de Francisco Ballaguer Callejon
uma interpretação utilitarista da democracia desemboca na interpretação
económica da Constituição”, que se sobrepõe — indevida e erroneamente — àquela
que deveria justamente ser a “interpretação constitucional da crise”
(sublinhado nosso) (136).
Seguindo o mesmo caminho, Cristian
Courtis apela à noção estadunidense de “escrutínio estrito” (strict scrutiny)
por parte do julgador, que devera inclinar-se pela inconstitucionalidade (137)
ob,cit, p. 291
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