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“Quantas Cores o Vento Tem?” - Uma Reflexão sobre Arte, Sustentabilidade e Justiça Social no Direito


“Quantas Cores o Vento Tem?” - Uma Reflexão sobre Arte, Sustentabilidade e Justiça Social no Direito

 

Por: Joana Capaz Coelho

 









A música “Quantas Cores o Vento Tem?”, do filme da Disney Pocahontas, transcende o seu contexto cinematográfico, assumindo um caráter universal e intemporal ao refletir sobre a relação entre humanidade, natureza e diversidade cultural. Mais do que uma composição artística, a canção pode ser entendida como um manifesto em defesa de valores fundamentais, como a sustentabilidade ambiental, a igualdade e a justiça social, valores que encontram correspondência no Direito Internacional do Ambiente e nos Direitos Humanos.

Através de uma linguagem poética e envolvente, a canção desafia perceções limitadas e preconceituosas, oferecendo-nos uma visão mais ampla e inclusiva do planeta, onde cada ser vivo e cada cultura têm valor intrínseco.  Esta abordagem transcende a celebração da beleza natural, convidando-nos a repensar as nossas interações com o mundo e uns com os outros. Questiona-se a arrogância humana ao explorar a natureza como um recurso inesgotável e ao ignorar os saberes ancestrais que ensinam a coexistir em equilíbrio com o ambiente.

No campo jurídico, esta visão de harmonia e respeito ecoa nos princípios do Direito Internacional Ambiental, em particular no desenvolvimento sustentável e na solidariedade intergeracional. O princípio do desenvolvimento sustentável, pela primeira vez definido no Relatório Brundtland de 1987, exige um equilíbrio entre progresso económico, equidade social e preservação ambiental, sendo reforçado pelo princípio da solidariedade intergeracional, que obriga as gerações presentes a assegurar a integridade ecológica para benefício das gerações futuras. 

Em Portugal, estes princípios encontram-se consagrados, designadamente, no artigo 66.º, n.º 2, alínea d) da Constituição da República Portuguesa (CRP), que determina que: “Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: (…) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações”[1].

Além disso, o artigo 3.º, alínea b), da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 19/2014, de 14 de abril), estabelece que: “A atuação pública em matéria de ambiente está subordinada, nomeadamente, aos seguintes princípios: (…) Da responsabilidade intra e intergeracional, que obriga à utilização e ao aproveitamento dos recursos naturais e humanos de uma forma racional e equilibrada, a fim de garantir a sua preservação para a presente e futuras gerações”[2].

A música também nos convida a refletir sobre a inclusão e a diversidade. A frase “Quantas cores o vento tem?” provoca uma ponderação sobre a multiplicidade de perspetivas e vozes que compõem o nosso mundo, ecoando o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP e no artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)[3]. Estes textos normativos sublinham que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. A valorização da diversidade é essencial para a construção de sociedades justas, igualitárias e inclusivas, que respeitem os direitos fundamentais.

A interligação entre a sustentabilidade ambiental e a justiça social no plano jurídico tem-se fortalecido. A avaliação de impacto ambiental, por exemplo, é hoje um dos principais instrumentos de concretização da solidariedade intergeracional, ao exigir a consideração dos impactos das decisões presentes no futuro. Por outro lado, a noção de solidariedade intrageracional sublinha a necessidade de mitigar desigualdades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, refletindo o dever de assegurar que todos os povos tenham acesso equitativo a um ambiente saudável e aos recursos naturais.

A letra da música, ao afirmar: 

“Tu dás valor apenas às pessoas 

Que acham como tu sem se opor. 

Mas segue as pegadas de um estranho 

E terás mil surpresas de esplendor”.

Convida-nos a abraçar a diferença como uma riqueza, desafiando preconceitos e promovendo a empatia. Este apelo à inclusão é especialmente relevante num mundo marcado por crises ambientais, desigualdades sociais e polarização cultural. Todos nós devemos reconsiderar os nossos papéis enquanto indivíduos e comunidades, lembrando-nos de que a verdadeira sabedoria reside na capacidade de ouvir, observar e respeitar — a natureza, as culturas e as vozes que tantas vezes são silenciadas. 

À medida que nos aproximamos de 2025, esta mensagem torna-se mais pertinente do que nunca. Enfrentamos desafios globais que exigem respostas coletivas e coordenadas, com base em valores jurídicos como a solidariedade, a justiça e a sustentabilidade. A música “Quantas Cores o Vento Tem?” recorda-nos que o futuro depende das escolhas do presente e que, ao respeitarmos a interdependência entre todos os seres vivos e culturas, podemos construir um mundo mais harmonioso, inclusivo e sustentável. Afinal, o vento — tal como a humanidade — tem tantas cores quanto a nossa imaginação e coragem podem alcançar. E o futuro também!

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